Meu sócio vai se divorciar, o seu ex-cônjuge tem direito às cotas sociais e pode entrar na empresa? Quais são os direitos sobre as cotas sociais de um cônjuge, companheiro ou convivente que termina a sua relação afetiva? Como fica essa situação em relação aos demais sócios da empresa?
Para responder essas perguntas e entender os desdobramentos dessa situação jurídica muito comum nas relações do dia a dia, será importante a gente separar as relações e os direitos envolvidos para ficar mais claro o entendimento e diferenças. Primeiro, devemos nos perguntar: quais são os direitos patrimoniais do cônjuge, companheiro ou convivente dentro essa relação afetiva e que envolvem as cotas sociais? Quem irá nos responder isso será o Direito de Família, que tem regras próprias que deverão ser analisadas e aplicadas para respondermos essa primeira pergunta. Tudo dependerá do regime patrimonial do casamento, união estável ou convivência (ou seja, do tipo de relação escolhida, que normalmente seguem os regimes predefinidos pela legislação que são: comunhão total, comunhão parcial, separação voluntária, separação obrigatória, ou ainda, comunhão final dos aquestos). Além disso, será preciso verificar o tempo de aquisição das cotas sociais, isto é, quando as cotas sociais foram adquiridas pelo sócio. Foi antes, foi durante, foi depois da relação amorosa estabelecida com a outra parte? Essa aquisição se deu de forma gratuita (doação) ou mediante compra? Se foi onerosa, essa compra foi com dinheiro próprio, com dinheiro de ambos, enfim, qual o lastro financeiro para aquisição dessas cotas sociais?). Isso tudo deverá ser analisado sob a ótica do Direito de Família para chegarmos a essa primeira resposta se o ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente tem ou não algum direito patrimonial sobre as cotas sociais.
Se chegarmos a conclusão de que a outra parte não tem direito sobre as cotas sociais do sócio, então estará tudo resolvido e o término da relação amorosa não irá afetar a sociedade e nem os outros sócios da empresa. Mas se chegarmos a conclusão de que o ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente tem direito patrimonial sobre as cotas sociais do sócio, aí vem uma primeira orientação: na separação do casal e divisão patrimonial dos bens, tente estabelecer um acordo amigável sobre a partilha de bens, no qual o sócio da empresa venha a ficar com 100% das cotas sociais e a outra parte tenha o seu direito compensado com o recebimento de outros bens do casal (por exemplo, imóveis, carros, dinheiro, etc), ou então, tente estabelecer um valor para que o sócio da empresa indenize o seu cônjuge no valor correspondente ao seu direito sobre a cotas sociais. Isso mesmo, o sócio da empresa pague em dinheiro, indenize ou compense em dinheiro o seu cônjuge em valor corresponde ao direito sobre as cotas sociais da empresa que ele teria direito na partilha dos bens do casal. Com isso, o sócio que está se separando irá ficar com 100% das cotas sociais e dos direitos patrimoniais dessas cotas e o seu ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente não terá mais direito de participação patrimonial sobre essas cotas sociais. Tudo estará resolvido sem afetar a empresa e as relações societárias com os demais sócios.
Bom, essa situação ficou clara, não ficou? Mas aí você deve estar se perguntando: Matheus, entendi o que você disse, mas continuo com a dúvida: E se isso não for possível? E se o casal não como chegar num acordo sobre as cotas sociais (seja por ausência de outros bens, por falta de dinheiro, ou até mesmo por falta de diálogo e consenso amigável) e a partilha de bens do casal tiver que, necessariamente, recair sobre as cotas sociais da empresa. O que fazer?
Bom, se o ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente o tiver direito patrimonial sobre as cotas sociais do sócio, aí temos que esclarecer essa situação agora sob a ótica do Direito Empresarial. Será preciso analisar as regras legais do Direito Empresarial e vermos a repercussão que essa situação jurídica de comunhão patrimonial irá causar na vida prática do sócio, da empresa e dos demais sócios. Primeiro ponto, o ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente não terá o direito de ingressar na empresa. Mesmo que na partilha de bens do casal ele venha a receber as cotas sociais da empresa por ter tido um relacionamento afetivo com o sócio, esse direito se refere tão somente aos direitos patrimoniais de sócio: ou seja, ao direito de receber os lucros da empresa e o direito de receber os haveres quando da liquidação dessas cotas ou da sociedade. É importante esclarecer que o ex-cônjuge não terá o direito de relação societária com a sociedade os demais sócios que lhe conceda o direito de entrar no Contrato Social da empresa. Isso somente será possível se já estiver previamente previsto esse direito no Contrato Social ou eventualmente os demais sócios quiserem admitir na sociedade o ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente mediante uma alteração do Contrato Social e após anuência por unanimidade ou maioria qualificada desses demais sócios. Portanto, é importante ficar claro com base na nossa legislação e esclarecer uma certa confusão que existe entre as pessoas sobre essa situação: uma coisa é a relação patrimonial e o direito do ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente sobre as cotas sociais, que se traduz pelos direitos aos lucros e haveres; outra coisa é o direito de se tornar sócia da sociedade e ingressar nos quadros sociais para me relacionar com os demais sócios, administrar, participar das decisões, votar, representar ou decidir os rumos da empresa. Esse direito o ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente não tem garantido por lei.
E aí vem uma segunda questão: como fica então a relação daqui para frente entre os envolvidos? Bom, o que acontece na prática é que se estabelece o que chamamos de “subsociedade” ou “sociedade paralela” entre o casal sobre essas cotas sociais. Após a partilha de bens e separação do casal, as cotas sociais continuam em nome do sócio da empresa e com seu nome registrado perante os órgãos públicos. Aliás, esse sócio nunca deixou de ser sócio e também não teve e nem terá as suas cotas liquidadas porque a sua relação societária com a empresa e demais sócios permanece inalterada, mesmo com a separação do casal. Mas, quem terá direito de receber os direitos patrimoniais sobre essas cotas, leia-se lucros da sociedade, será o ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente até que essas cotas sociais venham a ser liquidadas com a saída do sócio ou a própria sociedade se dissolva totalmente. Aí, o terá o direito patrimonial aos haveres correspondentes ao valor real das suas cotas sociais, podendo inclusive ingressar na Justiça para fazer avaliação dessas cotas sociais mediante perícia contábil que irá apurar o valor patrimonial atual das cotas sociais a que teve direito em razão da separação do casal. Para mim, é clara a legitimidade legal do ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente para ingressar com essa ação de apuração de haveres tão somente para avaliar e apurar o valor patrimonial devido em caso de liquidação das cotas sociais cuja causa e motivo dessa liquidação tenha partido da iniciativa desse próprio sócio ou sociedade. Ou seja, o direito ex-cônjuge, ex-companheiro ou ex-convivente será de apurar o valor patrimonial a que tem direito sobre as cotas sociais, mas nunca de o direito de pedir a dissolução parcial da sociedade e dar causa a essa liquidação das cotas por iniciativa própria.