O vale-transporte pode ser pago em dinheiro? (além, é claro, do nosso tradicional cartão). A empresa pode substituir o vale transporte por “vale-combustível”, ou similar, para aqueles funcionários que utilizam carro próprio?
A empresa deve recolher INSS sobre o vale-transporte? Como fica a retenção da parte do funcionário ou a parte patronal da empresa? E se o empregador não descontar os 6% que a lei permite de contrapartida sobre o salário base do empregado, isso acarreta algum risco ou passivo trabalhista para a empresa?
Conceito e enquadramento legal
O benefício do Vale-Transporte é regido por uma Lei específica de nº 7.418/85 devidamente regulamentada pelo Decreto nº 95.247/87. Com base em tais normas, o vale-transporte é considerado como um benefício destinado a custear as despesas do empregado com transporte para deslocamento da residência ao trabalho e vice-versa, em transporte coletivo.
Portanto, o vale-transporte é um valor que não se destina à remuneração ou complemento do pagamento do trabalho prestado pelo funcionário. A lei é clara ao afirmar que o seu objetivo é ressarcir e compensar a despesa do deslocamento diário ao trabalho e seu respectivo retorno.
Tudo devidamente calculado sobre os custos de descolamento que o trabalhador tem (ou teria) ao utilizar o transporte coletivo urbano.
Pagamento do vale-transporte em dinheiro
A princípio, a nossa legislação veda de maneira expressa o fornecimento do vale-transporte em dinheiro. Daí nasce o medo que muitas empresas têm de pagar esse benefício em dinheiro. Esse receio se refere à possibilidade do valor em dinheiro, que é pago sim como vale-transporte ao funcionário para uso no seu deslocamento, vir a ser futuramente descaracterizado e considerado como um valor complementar do salário, isto é, um salário por supostamente estaria sendo pago pela empresa com o objetivo de remunerar os seus serviços sem que isso fosse incluído no seu contracheque e, com isso, recolhido os devidos impostos.
Ocorre que, atualmente a própria Receita Federal do Brasil, que é o nosso órgão do Governo Federal que fiscaliza o pagamento dos impostos e das contribuições previdenciárias (em especial o INSS), já manifestou expressamente sobre essa hipótese e disse que o fato se pagar o vale-transporte em dinheiro não descaracteriza o seu caráter de verba indenizatória. Em outras palavras, a Receita Federal por meio do seu órgão chamado COSIT – Coordenação Geral de Tributação afirmou, por escrito, através Soluções de Consulta que o vale transporte pago em dinheiro não é descaracterizado pelo simples fato de ser pago em dinheiro, desde que observadas as condições da lei (quais condições? Lembrando: valor destinado a custear o deslocamento do trabalhador da residência ao trabalho e vice-versa, em transporte coletivo)
Inclusive, existe súmula do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e também esse foi o entendimento da nossa Justiça que veio reconhecendo que a forma ou meio de pagamento por si só não é capaz de mudar o seu objetivo, a sua finalidade de benefício ao trabalhador para o transporte. Atualmente, essa matéria se encontra pacificada no órgão do Poder Judiciário que chamamos de TST – Tribunal Superior do Trabalho, lá em Brasília que por sua vez dá a última palavra nesse tipo de matéria.
Conclusão: podemos chegar à seguinte conclusão importante: O vale-transporte pode ser pago pela empresa em cartão, dinheiro, vale combustível ou similar, sem perder a sua característica de verba indenizatória;
Desconto de 6% da parte do funcionário
Nesse ponto, a legislação prevê expressamente que o empregado irá contribuir com parte do seu salário para o recebimento do benefício do vale transporte. Esse valor de contrapartida que a lei impõe sobre o funcionário e que deve ser arcado por ele equivale a 6% de seu salário básico, exclusivos quaisquer adicionais ou vantagens.
Nesse sentido e com base na lei, a empresa deve descontar mensalmente do salário base do empregado o equivalente a 6% do seu salário para que esse específico valor seja utilizado na composição do valor total destinado pela empresa ao pagamento do vale transporte àquele funcionário.
E aqui surge a dúvida muito comum por parte das empresas: e se eu não descontar o valor de 6% do funcionário? E se eu descontar um valor menor para beneficiar o funcionário?
Pela redação de legislação é possível inferir que não é uma faculdade da empresa efetivar ou não o desconto sobre os 6% do salário do empregado, e nem tampouco realizar o desconto em percentual inferior aos 6% definido pela lei.
Desta forma, caso a empresa não efetue o desconto de 6% no salário do empregado ou o efetue em percentual inferior, estará correndo um grande risco de ter considerado este valor como o chamado “salário utilidade” conforme previsto no artigo 458 da CLT.
O denominado salário “in natura” consiste no pagamento de utilidades de natureza contra prestativa pelo trabalho realizado, sendo devida a integração ao salário base. Assim, o benefício deixa de ser concedido “para” o trabalho, mas passa a ser pago “pelo” trabalho realizado, vindo assim a ser caracterizando como “salário indireto”.
O primeiro risco eu disse, acabei de dizer: a ausência do desconto dos 6% ou a realização de um desconto em percentual inferior por parte da empresa configura “salário indireto” porque essa diferença de valor passará a ser auferida pelo funcionário como um complemento do seu salário, já que colocará esse dinheiro da diferença no bolso ao final do mês com uma única motivação: remunerar os seus serviços.
Por isso, esse valor integrará a base de cálculo para os direitos trabalhistas de FGTS, 13º Salário, férias e demais direitos.
Agora, existe um segundo risco: o risco tributário! De se criar um passivo tributário cuja a conta pode chegar a qualquer momento no futuro!
Uma vez configurado “salário indireto”, esse valor integrará a base de cálculo para contribuição previdenciária do INSS e IR que irão incidir sobre o valor pago pela empresa ao funcionário equivalente ao percentual de 6% que não foi descontado ou descontado a menor do seu salário base.
O entendimento da Receita Federal é taxativo para a hipótese em que o empregador deixe de descontar este percentual do salário do funcionário, ou faça o desconto em percentual inferior. Ou seja: a diferença deve ser considerada como “salário indireto” e sobre ela incidirá contribuição previdenciária e demais tributos.
Assim, neste caso o valor que deixou de ser descontado pela empresa passa a integrar a remuneração do trabalhador e fará parte da base de cálculo da contribuição previdenciária.
Então, vamos recapitular para ficar bem claro o nosso entendimento:
Primeiro, o vale-transporte (inclusive em dinheiro ou vale-combustível), no que se refere à parcela do empregador (assim entendido o que exceder a 6% do salário básico do trabalhador) não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, motivo pelo qual há isenção de contribuição previdenciária de INSS (patronal ou do empregado), de FGTS e de IRPF.
Segundo, mas se a empresa deixar de descontar o percentual de 6% do salário do empregado, ou se descontar percentual inferior, a diferença considerada como “salário indireto” e como tal deverá sofrer a incidência INSS, FGTS e IRPF em razão do descumprimento dos limites legais da isenção.
E aqui evidentemente se a empresa não efetuar o recolhimento desses tributos estará sujeita a fiscalização e ser autuada para cobrança dos valores com Multa, Juros e Correção.