“Doação de bens”, especificamente para abordar e esclarecer a seguinte questão tributária: além do ITCMD de competência estadual que incide sobre as doações, existe a incidência de Imposto de Renda de competência federal sobre a doação de bens? E se a doação for realizada pelo valor atualizado do bem, existe ganho de capital por parte do doador? A atualização do valor do bem doado significa acréscimo patrimonial em favor do doador passível de tributação sobre o ganho de capital?
Esse aspecto tributário gera bastante dúvidas no momento da definição dos valores financeiros que serão atribuídos aos bens doados. O doador fica em dúvida se deve transferir os bens doados pelo valor constante na sua Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda – DIRPF, ou se deve transferir os bens doados pelo valor atualizado de mercado. Essa análise financeira com a definição dos valores dos bens doados é muito importante de ser planejada pela família, especialmente quando a doação é realizada de pais para filhos. Nestes casos em que a doação envolve herdeiros, os valores dos bens são relevantes porque esse ato poderá representar ou não uma antecipação da parte legítima da herança em favor do herdeiro, conforme já expliquei em outro vídeo específico aqui no canal. Para esclarecermos as dúvidas sobre a incidência ou não do Imposto de Renda na doação de bens, vou explicar por partes as questões tributárias envolvidas para que possa ficar claro e ao final concluirmos juntos o raciocínio jurídico. Em primeiro lugar, cabe relembrar que a nossa Constituição Federal/88 repartiu o poder de tributar entre os entes federados (Governo Federal, Estados e Municípios), introduzindo regras constitucionais que definem os tributos de acordo com os fatos e materialidades tributárias. Esse modelo visa justamente a impedir que um mesmo fato venha a concentrar mais de uma incidência de impostos, seja a dupla incidência feita por um mesmo ente federativo (princípio que chamamos de “vedação ao bis in idem”), ou seja a dupla incidência feita por entes federativos diversos (princípio que denominamos “vedação à bitributação”). Dentro dessa repartição, o art. 155, III da Constituição Federal/88 já definiu como atribuição dos Estados a cobrança do imposto sobre a transmissão de bens por causa mortis (falecimento) e doação (ITCMD). Em segundo lugar, cumpre esclarecer com base no art. 153, II da Constituição Federal/88 que o imposto sobre a renda é de competência federal e deve incidir sobre o acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário nº 172.058 possui o entendimento consolidado no sentido de que o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de acréscimo patrimonial por parte da pessoa. Com base nessas premissas jurídicas, podemos agora analisar o ato de doação em si sob o aspecto do doador. Na doação de bens, o patrimônio do doador diminui, em vez de aumentar. Mesmo nos casos em que a doação é feita pelo valor atualizado de mercado, o patrimônio do doador sobre uma diminuição de disponibilidade em razão da transferência gratuita de bens em favor de terceiros. Dentro da perspectiva do doador, o ato de doação não gera para ele um acréscimo patrimonial ou aumento da disponibilidade de bens, passível assim de configurar um fato gerador do pagamento de imposto de renda. Portanto, a doação de bens não gera para o doador qualquer tipo de acréscimo patrimonial, e por isso, essa operação deve ser isenta da incidência de imposto de renda. O art. 3°, § 3°, da Lei n° 7.713/88 e o art. 23, §1 e 2, I da Lei nº 9.532/97 são inconstitucionais porque preveem a incidência do Imposto de Renda sobre ganhos de capital do doador no ato da doação (fato que configura “bitributação”). Essas disposições conflitam também com o art. 22, III, da própria Lei n° 7.713/88 que exclui do ganho de capital as transferências causa mortis e das doações em adiantamento de legítima, bem como com o art. 43, II do CTN que define os fatos geradores do Imposto de Renda. Inclusive, o STF já se manifestou a respeito no Agravo em Recurso Extraordinário 1.387.761. Fique atento para não pagar tributo indevido na doação!