LIBERAÇÃO DO FGTS PARA TRATAMENTO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Hoje vamos trazer uma orientação jurídica importante de utilidade pública que será proveitosa para todas as famílias de um modo geral. Trata-se da possibilidade de saque da conta do FGTS para custear o tratamento de transtorno do espectro autista, hipótese não expressamente prevista no rol de doenças graves do artigo 20 da Lei nº 8.036/90, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Você sabia que é possível a liberação do seu FGTS em casos de doenças graves? Caso a sua família seja acometida por uma doença grave você pode pedir a liberação dos valores? E que atualmente a Justiça têm admitido a liberação em casos que vão além daquelas doenças listadas expressamente em lei?

A notícia é boa e a orientação é útil porque a Justiça tem se sensibilizado com as famílias, o cidadão de bem, o trabalhador e permitido que o dinheiro do FGTS (que é do próprio contribuinte) seja liberado em caso de necessidade por doença grave na família, mesmo diante da recusa por parte do Governo Federal através da Caixa Econômica Federal. Para entendermos melhor essa questão, vamos relembrar que o diz o artigo 20 da Lei nº 8.036/90, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Esse dispositivo prevê 22 (vinte e duas) hipóteses diversas em que são permitidas o saque do saldo do FGTS pelo trabalhador. São situações diferentes, dentre as quais temos a demissão sem justa causa, aquisição de moradia própria, o falecimento, a aposentadoria, a extinção do contrato de trabalho temporário, a idade igual ou superior a 70 anos, a ocorrência de desastre naturais, o acometimento de doenças graves ou raras sobre o trabalhador ou família. Dentre o rol das doenças que estão listadas na legislação como doenças graves ou raras, não está previsto o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Por isso, com base numa interpretação literal e restritiva a Caixa Econômica Federal nega todos os pedidos administrativos e não permite que o trabalhador faça o saque do saldo do FGTS apesar de comprovada a ocorrência do espectro autista na família e a sua necessidade sobre o dinheiro depositado para pagamento dos custos com o tratamento. Porém, atualmente é público e notório que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é sim uma doença que, em regra, necessita de estimulação contínua por uma equipe multidisciplinar composta por psicólogo, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional, demandando assim um tratamento que representa com custos financeiros onerosos para a família. Além do tratamento específico que deve constar no laudo médico em cada caso, de uma maneira geral o conhecimento científico demonstra que de forma geral o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é uma enfermidade que demanda tratamento médico contínuo, medicação específica e acompanhamento constante. Por isso, após a negativa do Governo Federal é possível que a família proponha uma Ação Judicial e peça na Justiça a liberação excepcional do saldo do FGTS com base no entendimento de que o rol do art. 20 da Lei 8.036/90 não é taxativo. Em hipóteses extraordinárias de doenças, é possível liberação do FGTS por uma interpretação sistemática da legislação, levando-se em conta as garantias fundamentais e os direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal, entre eles o direito à vida, à saúde e à dignidade do ser humano, para assim garantir a se garanta ao cidadão o direito a uma vida digna. Além disso a Lei n.º 13.146/15 dispõe em seu artigo 8° que é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação de todos os direitos inerentes à concretude dignidade da pessoa humana. Portanto, fique atento sobre os seus direitos! Os recursos depositados nas contas vinculadas do FGTS são de titularidade do trabalhador, devendo ser assegurado à família o direito ao saque quando demonstrada a existência de doenças raras ou graves, incluindo o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), mesmo quando não descritas no rol do art. 20 da Lei 8.036/90.

APURAÇÃO DE HAVERES: QUAIS OS DIREITOS DO EX-SÓCIO?

Hoje, gostaria de comentar um julgamento recente do Superior Tribunal de Justiça que tratou do seguinte tema: nas sociedades limitadas, quais são os direitos do sócio retirante ou do sócio excluído na apuração de haveres? Na dissolução parcial de sociedade, os haveres dos ex-sócios englobam quais valores? Será que o ex-sócio tem direito a receber os lucros futuros da empresa? O caso judicial que me refiro aqui neste vídeo foi julgado pelo STJ agora no dia 22 de agosto de 2023, pela Quarta Turma, sob relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, através do Recurso Especial nº 1.904.252/RS.

Vou utilizar esse caso judicial como pano de fundo para prestar alguns esclarecimentos sobre a apuração de haveres e te orientar sobre os direitos do sócio retirante e excluído. Inclusive, essas orientações são válidas também para os casos de sócio falecido, em que se deve apurar os direitos dos herdeiros. A dissolução parcial de uma sociedade empresária ocorre quando um ou mais sócios deixam de ser sócios da empresa por algum motivo, mas outros sócios remanescentes continuam com as suas atividades empresariais normalmente. Nesses casos, é necessário realizar o procedimento de apuração de haveres, levantando-se os valores referentes à participação do sócio que se retira ou que é excluído da sociedade empresária. A apuração de haveres se resume na representação fictícia da dissolução total da sociedade, ocasião em que se realiza um levantamento patrimonial a valor justo de saída capaz de reavaliar o valor de mercado dos bens corpóreos ou incorpóreos que compõem o patrimônio social, considerando o seu ativo e passivo como se houvesse a dissolução total da sociedade limitada naquele momento. Normalmente, durante essa apuração surgem alguns conflitos entre os sócios sobre os critérios que serão adotados para mensurar o valor do patrimônio da empresa, considerando que a adoção de diferentes metodologias para essa apuração implica diretamente na majoração ou redução do valor em questão. A título de exemplo, podemos citar as 3 (três) principais metodologias de avaliação: 1) pelo valor contábil ou book value; 2) pelo valor patrimonial ou balanço especial de determinação; e 3) pelo valor econômico-financeiro ou capacidade de geração futura de fluxo de caixa. Enquanto o sócio retirante tem interesse de elevar, ao máximo, o valor a ser recebido, o interesse dos demais sócios que permanecem na sociedade será exatamente oposto, isto é, de pagar o menor valor possível nessa avaliação. O ordenamento jurídico brasileiro dispõe que o critério a ser observado será aquele previsto no contrato social conforme o art. 1.031 do Código Civil e art. 604, inc. II, do Código de Processo Civil (CPC). Essa também é a posição majoritária do STJ que dispõe que, existindo cláusula contratual que preveja o critério a ser utilizado na apuração de haveres, este deve ser o parâmetro aplicado, em respeito ao princípio da força obrigatória dos contratos. Como exemplo, pode-se mencionar o julgamento do próprio Recurso Especial nº 1.904.252/RS (julgado aos 13.08.23), o AgInt no AREsp 1.192.710/SP (julgado aos 26.9.22), o REsp 1.877.331-SP (julgado aos 13.04.21), e ainda, o AgInt no AREsp 1.174.472/RS (julgado aos 19.12.18). Mas caso o contrato social seja omisso, o art. 606 do CPC determina que o juiz deverá definir, como critério de apuração de haveres, a metodologia do valor patrimonial da sociedade que será apurado em balanço especial de determinação, no qual se levará em consideração na data da resolução da sociedade a avaliação dos bens e direitos do ativo (tangíveis e intangíveis), e os deveres e obrigações do passivo, ambos calculados a preço justo de saída. Com isso, o STJ vem firmando 3 (três) pontos fundamentais na apuração de haveres: 1) a necessidade de que o valor da quota do sócio retirante corresponda o mais próximo possível ao real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu valor patrimonial real; 2) o fato de que a jurisprudência tem se firmado no sentido de não se admitir um mero levantamento contábil para apuração de haveres, devendo-se proceder a um balanço real, mas não necessariamente que projete os lucros futuros da sociedade; e 3) sendo a base de cálculo dos haveres o patrimônio da sociedade, aqueles valores que ainda não haviam integrado o patrimônio da empresa não podem ser repartidos com o sócio retirante. Isso significa dizer que a projeção dos lucros futuros da empresa não deve entrar na apuração de haveres dos sócios. Os lucros futuros da empresa não se mostram devidos porque os referidos valores não compõem o patrimônio da sociedade no momento da retirada do sócio. Em suma, o sócio retirante não pode ser beneficiado com os esforços que serão despendidos pelos sócios remanescentes que permanecem na sociedade e assumem os riscos da continuidade das atividades empresariais. Essa hipótese seria, eventualmente, possível somente nos casos em que estivesse cláusula expressa no Contrato Social previamente acordada entre os sócios. A regra geral que deve ser observada entre as Partes é a de que, na apuração de haveres de uma dissolução parcial de sociedade, o sócio não pode vir a receber valor diverso, e nem maior, do que receberia no caso da dissolução total da sociedade.

INTERDIÇÃO E CURATELA DE PAIS OU AVÓS: O QUE FAZER?

Interdição e curatela de uma pessoa maior que, por algum motivo de doença ou acidente, veio a perder a capacidade civil de discernimento e lucidez para a administração dos seus próprios bens patrimoniais. Realmente, a confirmação de que uma pessoa adulta não tem mais a capacidade de gerenciar os atos de sua vida civil é um momento familiar doloroso. Além dos aspectos emocionais, essa situação tem repercussão jurídica que gera muitas dúvidas e implicações sobre as relações familiares. Algumas delas são: O que significa a interdição e curatela para a família? Quem pode ser interditado? Quem poderá pedir a curatela? Para que o vídeo fique didático e de fácil compreensão, vou dividir as explicações jurídicas em pequenos trechos de acordo com os tipos de dúvidas que surgem dentro das famílias.

1) O que é a interdição? É uma ação judicial proposta com base nos artigos 1.767 do Código Civil, na qual tem por objetivo a declaração da incapacidade de determinada pessoa para comandar seus atos na vida civil e, consequentemente, a nomeação de um curador para lhe representar ou auxiliar. Essa ação judicial segue o procedimento previsto nos artigos 1.177 a 1.191 do Código de Processo Civil e tem duplo objeto: a interdição do incapaz e a nomeação de curador. Na interdição se avalia a real incapacidade para a gestão da vida civil. E a curatela será o instrumento pelo qual uma pessoa (ou mais de uma) se tornará responsável por acompanhar o interditado e gerir suas rendas e seu patrimônio.

2) O que acontece com a pessoa após a interdição? A interdição poderá ser total ou parcial. Na interdição total, o interditado será absolutamente impedido de exerce todo e qualquer ato da vida civil e, por isso, passará a ser representado por um curador. Já na interdição parcial, ao interditado será permitido exercer aqueles atos que não for considerado incapaz de exercê-lo nos limites fixados em sentença.

3) Quem está sujeito à interdição? Estão sujeitos a curatela as seguintes pessoas: I – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – os pródigos.

4) Quem terá legitimidade para requerer a interdição? A interdição pode ser promovida pelas seguintes pessoas relacionadas com o interditado: I- seu cônjuge ou companheiro; II – pelos parentes ou tutores; III – pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando; IV – pelo Ministério Público.

5) Como o interditado é avaliado? Normalmente a ação judicial já é proposta com laudos médicos e outras provas que demonstram a incapacidade do interditado, conforme determina o art. 750 do CPC, mas o juiz poderá deferir a realização de exame médico por um perito. Além disso, o juiz deverá obrigatoriamente fazer o exame pessoal do interditado por meio de interrogatório em audiência. O exame pessoal pelo juiz não é apenas para avaliação do estado biológico do interditando, mas serve para verificar seus laços afetivos, suas condições materiais e cognitivas, a forma como se relaciona e se comporta em sociedade e, especialmente, sua opinião sobre a interdição e sua relação com quem pretende ser o curador.

6) Como ficam os atos já praticados? A incapacidade superveniente do interditado não afeta a validade dos contratos firmados anteriormente. Em regra, a sentença da interdição tem efeitos jurídicos ex nunc, que valem para frente e não retroagem. Qualquer discussão sobre a nulidade de atos anteriores deve ser discutida em ação específica de anulação do ato jurídico, na qual precisará ser demonstrado que já havia incapacidade na época de sua realização. Portanto, esses são os principais pontos para que se possa compreender o alcance jurídico da interdição e curatela.

União Estável: regras para quem tem mais de 70 anos

Hoje irei passar orientações jurídicas importantes para quem tem mais de 70 anos e pretende iniciar um novo relacionamento amoroso por meio da união estável. Essa situação está se tornando cada vez mais comum dentro das famílias devido aos avanços da medicina que permitiram a todos nós aumentar a sua expectativa do tempo de vida e atingir a terceira idade com uma qualidade de vida superior àquela que atingíamos há alguns anos atrás. É possível hoje nos depararmos com pessoas com 70 anos ainda jovens, bem cuidadas e com vigor físico para iniciar novos relacionamentos amorosos, especialmente sob o formato de união estável que é uma relação mais simples, informal e não demanda a observação das solenidades aplicáveis a um casamento civil. Nos casos em que a união estável envolve pessoas com mais de 70 anos (e aqui basta que apenas uma delas tenha atingido a melhor idade), é preciso ressaltar que o regime patrimonial que irá reger essa relação será o chamado de “separação obrigatória de bens” conforme dispõe os art. 1.641 do Código Civil.

O Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 655 já firmou o entendimento de que se aplica também à união estável o regime da “separação obrigatória de bens” quando tivermos diante de alguém com mais de 70 anos. Ou seja, tanto nos casos de casamento quanto sobre as relações de união estável, o regime patrimonial de bens que deverá ser aplicado de forma cogente por imposição do Estado será o da “separação obrigatória de bens”, independentemente da vontade das partes. A escolha do casal não será livre e nem espontânea, tal como acontece nas situações da “separação voluntária de bens” disposta no artigo 1.687 do Código Civil.  No regime de “separação obrigatória de bens” aplicável à união estável, cada companheiro deterá em seu nome o seu patrimônio próprio. Os seus bens móveis e imóveis ficarão individualizados antes, durante e depois do relacionamento conforme dispõe os arts. 1.641 e 1.687 do Código Civil. É o famoso ditado popular que diz: o que está em meu nome é meu e o que está em seu nome é seu. Em caso de futura dissolução da união estável, cada companheiro ficará exatamente com o patrimônio está em seu nome justamente por se tratar de um patrimônio individualizado. Essa é a regra geral que será aplicável para a partilha em vida do patrimônio entre os companheiros determinada pelo direito de família para as situações de término da união estável. Entretanto, gostaria de chamar a atenção para um ponto importante: os nossos Tribunais passaram a flexibilizar o entendimento sobre a incomunicabilidade absoluta do patrimonial individual dentro dos regimes de separação de bens. Com base na da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal, os Tribunais passaram a decidir que os bens adquiridos durante o relacionamento deverão sim ser divididos ao término da relação caso venha a ficar demonstrado que tais bens foram adquiridos com esforço comum de ambos os companheiros durante o relacionamento. A jurisprudência se formou no sentido de que, no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Por isso, sobre os bens chamados de “aquestos” (que são aqueles bens adquiridos após o relacionamento), poderá existir divisão futura em caso de término da relação da união estável se tiverem sido adquiridos a título oneroso mediante contribuição recíproca. Caso queira afastar a aplicação da Súmula n. 377 do STF para impedir a comunhão final desses bens aquestos, a recomendação jurídica que posso te dar será buscar formalizar essa união estável por meio de um contrato particular ou escritura pública, assim como seria sugerido nos casos de casamento a formalização de um “pacto antenupcial” ou “contrato de convivência”. Dentro da sua autonomia privada e com base no precedente do RESP nº 1.922.347 do STJ, o casal poderá estipular por escrito um regime mais protetivo do que regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF de forma a impedir a comunhão dos bens aquestos, deixando claro que tais bens serão totalmente individuais ainda que venham a ser adquiridos após o relacionamento a título oneroso. Essa separação segura e total vem de encontro com a intenção da lei e servirá justamente para conferir proteção ao patrimônio do idoso e resguardar os interesses futuros dos seus herdeiros, impedindo a divisão dos bens da família de forma indesejada.

CONDOMÍNIO NÃO PODE PENHORAR IMÓVEL COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Um dos grandes sonhos de todo brasileiro é obter a sua casa própria. E para alcançar esse sonho a maioria dos brasileiros recorre ao financiamento imobiliário junto a instituições financeiras para adquirir o seu imóvel próprio. Nesse tipo de operação, o banco empresta o dinheiro para que a pessoa compre o seu imóvel e, em contrapartida, o comprador aliena e transfere o imóvel em favor do Banco como forma de garantir o pagamento futuro do empréstimo financeiro. Essa operação é feita com base na Lei nº 9.514/1997 e se chama “alienação fiduciária em garantida”, já que o imóvel adquirido ficará alienado em propriedade do Banco de forma temporária até que o comprador termine de pagar todo o seu empréstimo. Assim que o devedor quitar o seu financiamento, o Banco devolverá a propriedade do imóvel ao comprador que passará a ter o seu imóvel de forma livre e desimpedida. Ocorre que, durante esse período em que a “alienação fiduciária em garantia” está vigente a favor do Banco, é muito comum observarmos um problema jurídico de ordem prática que surge devido ao conflito de interesses entre aqueles que se relacionam com o imóvel. Esse problema diz respeito aos débitos de condomínio.

Eu te pergunto: de quem será a responsabilidade por pagar o condomínio do imóvel durante o período em que o imóvel é ocupado pelo comprador mas está alienado em propriedade do Banco? O Banco poderá ser responsabilizado pelas dívidas de condomínio? Se não houver o pagamento das taxas, o Condomínio poderá penhorar o imóvel alienado em garantia a favor do Banco?  Realmente, essa é uma questão complexa que vou tentar simplificar aqui ao máximo para que todos nós possamos entender e proteger o nosso patrimônio. A princípio, os débitos condominiais têm a natureza de uma dívida real. Esse tipo de dívida é chamada no mundo jurídico de “propter rem”, que significa dizer “em razão da coisa” porque o art. 1.345 do Código Civil (CC/2002) diz que o comprador adquire o bem imóvel com todas as suas dívidas passadas, inclusive as multas e juros. Por isso, as despesas condominiais se vinculam ao bem imóvel, independentemente de quem venha a ser o proprietário desse bem. Entretanto, apesar do art. 1.345 atribuir como regra geral o caráter “propter rem” ao débito condominial, a legislação pátria criou uma regra de exceção. Quando o imóvel estiver gravado com a “alienação fiduciária em garantia” em favor do Banco, os débitos condominiais serão de única e exclusiva responsabilidade do possuidor do imóvel. Os artigos 27, parágrafo 8º, da Lei 9.514/1997 e o art. 1.368-B, parágrafo único, do Código Civil atribuem ao comprador toda a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais, sem qualquer responsabilidade do Banco. Isso nos permite dizer que, enquanto estiver na posse direta do imóvel, o devedor fiduciante é quem deverá arcar com o pagamento de todos os impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel. Sendo assim, o possuidor do imóvel é quem deverá responder pessoalmente com todo o seu patrimônio pelo pagamento dos débitos condominiais do imóvel que venha a adquirir com o financiamento imobiliário. Com base no art. 789 do Código de Processo Civil (CPC/2015) o devedor fiduciante deverá responder com todo o seu patrimônio pessoal para satisfazer os débitos condominiais, não sendo possível incluir o imóvel alienado em favor do Banco que integra o patrimônio da própria instituição financeira. Portanto, não será possível que o Condomínio venha a penhorar o imóvel que esteja com “alienação fiduciária em garantia” dentro de um processo judicial de cobrança. Na ação judicial, o Condomínio deverá cobrar a dívida condominial do devedor fiduciante que é o ocupante do imóvel. Contudo, se o Condomínio quiser poderá penhorar o direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária, de acordo com os arts. 1.368-B, caput, do CC/2002, c/c o art. 835, XII, do CPC/2015.

CONTRATO DE NAMORO: DEVO FAZER?

De um tempo pra cá, tenho recebido algumas perguntas sobre o tema “Contrato de Namoro” e por isso resolvi fazer esse vídeo com o objetivo de esclarecer alguns pontos jurídicos sobre esse instrumento que ainda é pouco utilizado entre os brasileiros. Vou abordar os seguintes aspectos: para que serve um contrato de namoro? Será que devo pensar em formalizar a minha relação com esse tipo de contrato? Quais as diferenças entre o contrato de namoro e o contrato de união estável ou pacto antenupcial?

A princípio, eu sei que parece esquisito dentro da nossa cultura pensarmos em fazer um contrato escrito para regulamentar os efeitos jurídicos de uma relação amorosa que é despretensiosa de objetivos patrimoniais. A percepção que a maioria das pessoas tem sobre o namoro é que se trata de um relacionamento amoroso considerado como “simples”, de tempo curto, mais reservado, com poucos compromissos, e sem repercussão patrimonial. Ocorre que, além desse tipo de namoro mais comum assim considerado como “simples”, podemos ter situações mais complexas. São situações que chamamos de “namoro qualificado”, em que a relação ganha contornos de um relacionamento público, contínuo, duradouro e, em alguns casos, o casal de namorados até mora juntos dentro de uma mesma casa (ou seja, é possível verificar a presença de coabitação dentro de um mesmo lar). Esse tipo de relacionamento é visto como um “namoro qualificado”, cujas características são muito próximas de uma relação de união estável.  O “namoro qualificado” tem quase todos os elementos configuradores de um vínculo de união estável, com a diferença de que nesse namoro as partes não possuem a vontade de constituir família, colocando a vida e seu patrimônio em comum unidade. Acredito que esse seja o principal ponto que podemos ressaltar entre: de um lado, o casal que tem um “namoro qualificado” e assim deseja continuar com a sua relação afetiva dentro dos contornos de um namoro, sem repercussão familiar e patrimonial; e por outro lado, aquele casal que deseja ir além e efetivamente vir a constituir família, colocando em comum a sua vida e também parte ou todos os seus bens, direitos e dívidas em prol do casal. Por isso, ao abordarmos esses 2 (dois) tipos de relacionamentos sob os aspectos jurídicos que acabei de mencionar, começa a fazer sentido se pensar em contratualizar a relação de “namoro qualificado” na intenção de se deixar de claro e transparente entre as Partes (isto é, para se evitar brigas futuras) e previamente acordada as condições (ou seja, tudo por escrito) qual é o verdadeiro tratamento jurídico que querem revestir o relacionamento estabelecido entre o casal. Assim sendo, firmar um documento jurídico chamado de “contrato de namoro”, dentro de um relacionamento amoroso que o casal deseja imprimir os exatos efeitos de uma “relação de namoro”, faz todo o sentido porque os namorados objetivam justamente combinar que essa relação não terá efeitos inerentes à constituição de uma família e nem consequências patrimoniais. Ficará evidente entre os namorados e para terceiros (por exemplo, familiares em caso de falecimento e à própria Justiça, em situações de divergência) que, apesar de apaixonados e até declararem amor eterno um com o outro, o casal não tem qualquer intenção de que esse relacionamento seja confundido com uma união estável e nem configure um pacto antenupcial que antecede ao casamento. No documento jurídico de “contrato de namoro”, o casal afirmará de forma taxativa por meio de cláusulas e termos jurídicos que não existe alí naquela relação a pretensão de compartilhamento de bens, direitos e obrigações entre as pessoas, o que tornará de forma inequívoca o relacionamento amoroso sem efeitos patrimoniais caso os namorados venham a se separar (não existirá direitos patrimoniais a serem partilhados), bem como sem efeitos sucessórios (não existirá direitos sobre herança um do outro).

HERDEIROS NÃO RESPONDEM PELAS DÍVIDAS DO FALECIDO?

Hoje iremos responder uma dúvida comum entre as famílias na hora de realizar o inventário dos Pais: será que os herdeiros respondem pelas dívidas deixadas pelo falecido? Essas dívidas passam dos pais para os filhos após o falecimento? Como a família deve conduzir essa situação dentro do inventário para resolver as pendências financeiras deixadas pelos pais?

O Código Civil premem seu art. 1.796 que o inventário deva ser iniciado dentro do prazo de 30 (trinta) após o falecimento. Existem 2 (dois) tipos de inventários permitidos pela nossa legislação. O primeiro formato é o inventário judicial que é feito por meio da propositura de uma Ação na Justiça para que seja feita a partilha dos bens do falecido entre os herdeiros perante um Juiz, com a expedição do documento chamado “Formal de Partilha”. O segundo tipo é o inventário extrajudicial, já que é feito perante o Cartório de Notas, por meio da lavratura de uma “Escritura Pública de Inventário e Partilha”. Em quaisquer dos casos, os herdeiros devem arrolar os bens, direitos e passivos do falecido para formação da figura jurídica que chamamos de “Espólio”. Ao final, o saldo positivo dos bens e direitos do falecido serão partilhados entre os herdeiros, conforme descrito no “testamento” (se existir) e com observância da ordem de vocação hereditária descrita no art. 1.829 do Código Civil que prevê a destinação aos filhos, pais, cônjuges e irmãos. Se o falecido tiver deixado dívidas, a primeira orientação jurídica é a de que todas essas dívidas sejam devidamente discriminadas dentro do procedimento do inventário. Os débitos do falecido devem ser listados dentro de uma conta chamada de “dívidas e passivos”. É importante identificar as dívidas dentro do procedimento de inventário para que a família possa apurar o real valor da herança do falecido e assim poder pagar o imposto de transmissão somente sobre o saldo remanescente dos bens e direitos do falecido, após deduzidas todas as despesas com as suas dívidas. Isso trará uma grande economia sobre o ITCMD que gira em torno de 4% a 8% sobre o valor total da herança, calculado sobre o valor atualizado dos bens (“valor venal de mercado”) atribuído pelo Estado da Federação onde se localiza os bens imóveis e se processará o inventário. A segunda orientação é a de que os herdeiros venham a quitar todas as dívidas do falecido antes de realizar a partilha do seu patrimônio, a fim de evitar que os herdeiros venham a responder pelas dívidas do falecido após o inventário. O patrimônio do falecido é que responde por todas as dívidas que ele deixou no ato do seu falecimento. Todos os débitos do falecido devem ser pagos pela família com o próprio patrimônio do falecido antes de efetuar qualquer partilha de bens dentro do procedimento de inventário. Por isso, a família deve ter a clareza de vir a considerar como “herança” somente o eventual saldo positivo do patrimônio falecido, ou seja, o que efetivamente vier a sobrar dos bens e direitos depois de quitadas todas as dívidas. Caso a família não respeite essa regra e venha a fazer a partilha de bens e direitos do falecido sem o pagamento das dívidas, os herdeiros responderão pelos débitos do falecido dentro dos limites e valores correspondentes ao patrimônio partilhado indevidamente. Cada herdeiro responderá individualmente por essas dívidas, dentro da proporção dos bens e direitos que tiver recebido da herança, uma vez que esse patrimônio foi transferido aos herdeiros de forma irregular sem quitação das dívidas do falecido. Portanto, fique atento porque a nossa legislação é clara ao dispor nesse sentido por meio dos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil e das várias decisões judiciais sobre o tema. Proteja sua família seguindo a lei e fazendo a coisa certa!

CUIDADOS COM AS FORMALIDADES DO TESTAMENTO

Hoje vamos abordar o tema “testamento” para que eu possa trazer informações importantes sobre essa ferramenta jurídica de planejamento sucessório e te passar orientações jurídicas sobre a importância de se observar as formalidades legais no momento da prática desse ato jurídico. Para ilustrar esse assunto, quero trazer uma decisão recente proferida agora no dia 08 de agosto de 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio do Recurso especial nº 2.000.938.

No caso em questão, o falecido era um jornalista solitário, que embora reconhecido pelo pai como filho, os irmãos nunca o aceitaram dentro da família. Por isso, na véspera da morte o jornalista deixou um documento no qual intitulou como “testamento” manifestando a sua vontade de que fosse distribuída a sua coleção de discos, itens da biblioteca e roupas usadas a escolas públicas, museu e asilos. Pelo que se apurou, o falecido não queria que nada fosse para os irmãos porque se sentiu rejeitado em vida, e por isso destinou os seus bens, que não eram valiosos, a instituições de ensino e beneficentes. No julgamento do Tribunal, os ministros discutiram os aspectos jurídicos e buscaram respondem às seguintes dúvidas: será que existe a possibilidade de se abrir mão das formalidades impostas pela legislação por razões de ordem subjetiva? A vontade da pessoa é inequívoca, mas isso por si só basta para o testador dispensar as formalidades? A partir de agora, todo papel só com assinatura do testador e sem as formalidades será suficiente para ser tratado como testamento? O julgamento foi acalorado entre os ministros do STJ. Ao final, por maioria apertada de votos (3 a 2), os ministros decidiram por justo anular o testamento deixado pelo jornalista porque não cumpriu as disposições formais dos artigos 1.862 e seguintes do Código Civil. Tais artigos estipulam que existem 3 (três) modalidades de testamento diferentes, cada qual com as suas próprias formalidades. 1) O primeiro tipo, o “testamento público”, que é aquele em que o testador se dirige até um Cartório de Notas e declara a sua vontade perante o tabelião que, com fé pública, certifica a sua livre vontade, juntamente com 2 testemunhas que acompanham confecção e leitura. 2) O segundo tipo, é o “testamento particular” que é feito pela próprio testador por meio de uma declaração manuscrita (de próprio punho) ou no formato mecânico (que pode ser datilografado ou digitado), sendo que em ambos os casos o testamento deve ser ao final assinado pelo declarante, juntamente com 3 (três) testemunhas que atestam a sua leitura. 3) O terceiro tipo é o testamento cerrado”, que leva esse nome porque é feito dentro do formato particular mas depois é levado ao Cartório para que o tabelião possa confirmar a sua livre vontade na presença de 2 (duas) testemunhas. Após essa leitura, o testamento é lacrado e guardado no Cartório até o momento da sua abertura que se dará após falecimento do testador e quando então é revelado o seu conteúdo. Portanto, esses são os 3 (três) tipos de testamento admitidos pela nossa legislação. No debate do STJ sobre o caso que mencionei, prevaleceu a tese de que o “testamento particular” feito pelo jornalista deveria ser anulado porque não tinha as assinaturas em todas as folhas e também não tinha as 3 (três) testemunhas exigidas por lei. Por outro lado, é verdade que, atualmente, a interpretação dos Tribunais tem evoluído no sentido de se flexibilizar as formalidades legais para se buscar a real vontade do testador. Os magistrados têm procurado se orientar de forma mitigada na aplicação do sistema de nulidades, em prol de fazer prevalecer a intenção do testador no fato concreto. Inclusive, o artigo 1.879 do Código Civil prevê que as formalidades legais poderão não ser observadas pelo testador desde que ele justifique essa situação em casos extraordinários. A lei permite que, em circunstâncias excepcionais, o próprio testador declare no testamento particular firmado de próprio punho e assinado pelo testador todos os motivos pelos quais, eventualmente, está impedido de observar as formalidades legais naquele caso concreto. Mas, entretanto, se o testador não fizer uso dessa possibilidade legal e não justificar no documento escrito as circunstâncias extraordinárias pelas quais está passando no momento da confecção do testamento, a tendência do judiciário será a de se aplicar a lei dentro do seu rigor formal. As formalidades legais existem justamente como um sistema de proteção jurídica para dar validade à autonomia da vontade pelo testador. As formalidades buscam auferir se a vontade do testador é verdadeira ou se não teve a real intenção de dispor por última vontade dos seus bens patrimoniais ou manifestar desejos extrapatrimoniais justamente daquela específica maneira que está apresentada no documento. Por isso, é compreensível que as formalidades legais venham a ser mitigadas somente em circunstâncias excepcionais para o bem do próprio testador e de toda a sociedade que almeja segurança jurídica nas suas relações sociais. Sendo assim, fique atento com as formalidades legais e procure um advogado da sua confiança para que possa te auxiliar de maneira profissional na confecção desse documento, a fim de que o mesmo tenha plena validade e eficácia jurídica no futuro.

DOAÇÃO EM VIDA: QUAIS AS REGRAS E LIMITES DE VALORES?

Hoje iremos voltar a tratar do tema “doação de bens”, especificamente para responder algumas dúvidas que surgem dentro da família sobre os limites legais da doação e quais os requisitos de validade jurídica para realização de uma doação de patrimônio com segurança. Esses questionamentos são muito comuns quanto a família pensa em utilizar o instituto da “doação em vida” como uma ferramenta jurídica de planejamento sucessório, no qual se busca transferir de forma planejada o patrimônio da família ainda em vida em favor dos herdeiros e de terceiros conforme interesse dos Pais.

Nesses casos, devemos estar atentos aos seguintes aspectos jurídicos: será que posso doar os meus bens para quem eu quiser? Posso beneficiar terceiros sem vínculo de parentesco ou somente os meus próprios herdeiros? Existe algum limite de valor ou de quantidade para a legalidade dessa doação de bens? De que forma e em qual momento esse limite de valor deve ser auferido para a validade da doação? Como eu já expliquei em outros vídeos, a nossa legislação prevê regras para a realização da “doação em vida” que estão dispostas no Código Civil. Conforme dispõe o art. 538 do Código Civil, a “doação de bens” é um ato de liberalidade feito por alguém (chamado de “doador”) em benefício de uma outra pessoa (chamada de “donatária”). Caso se tenha “herdeiros necessários” vivos, o doador deverá reservar, de pleno direito, a metade dos bens componentes do seu patrimônio em favor desses herdeiros, formando assim uma parcela do patrimônio que chamamos de “parte legítima da herança”. Nos termos do art. 1.846 do Código Civil, a “parte legítima da herança” é uma parcela que deverá corresponder a, no mínimo, o valor equivalente a 50% (cinquenta por cento) do patrimônio total do doador. Essa parcela deve ser obrigatoriamente destinada aos “herdeiros necessários” do doador que são os filhos, os seus ascendentes, e também, o seu cônjuge caso esteja casado ou companheiro se tiver um relacionamento configurado como união estável. De acordo com o art. 1.845 do Código Civil, essas pessoas terão uma expectativa de receber essa parcela reservada da herança, cujo valor deverá obrigatoriamente corresponder ao valor igual ou maior que a metade do patrimônio do doador. Portanto, o doador deve tomar muito cuidado para não desrespeitar as regras legais e o seu ato de doação em vida vir a ser considerado inválido no futuro pela Justiça. O valor total dos bens que compõe o patrimônio do doador deve ser calculado e auferido exatamente no momento da realização do ato da doação dos bens. Por isso, será importante fazer uma avaliação geral de todos os bens do doador naquele específico momento para se ter a exata certeza de que a doação pretendida não irá afrontar a “parte da legítima da herança” reservada aos “herdeiros necessários”. Na ocasião da doação, o doador deverá ter clareza sobre esses valores no ato da doação e, se possível, fazer constar de forma expressa tais cálculos no contrato ou escritura de doação para se evitar futuros questionamentos jurídicos. Inclusive, neste mês de julho de 2023 tivemos uma decisão importante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio do Recurso Especial nº 2.026.288. Esse Tribunal decidiu que, tanto sob a ótica do art. 1.176 do antigo Código Civil de 1916, quanto também sob a égide do art. 549 do atual Código Civil de 2002, o excesso caracterizador da doação excessiva deve ser considerado no exato momento da liberalidade, e não no momento do falecimento do doador e da abertura da sucessão. A doação será excessiva (também chamada de “doação inoficiosa”) se o valor, calculado no ato da realização da doação, avançar sobre a parte legítima da herança. Caso alcance mais da metade do patrimônio disponível do doador, essa doação será considerada excessiva e, com isso, deverá ser corrigida pela Justiça anulando a transferência dessa parte excedente do patrimônio feita em benefício de alguém, mas com a constatação de prejuízo patrimonial aos “herdeiros necessários” do doador.

CREDOR INDIVIDUAL DE HERDEIRO PODE COBRAR SEU CRÉDITO NO INVENTÁRIO?

O credor individual de herdeiro tem direito a habilitar seu crédito dentro do processo de inventário? Será que o credor pessoal do herdeiro poderá cobrar a sua dívida dentro do inventário? Esse credor terá direito de penhorar a parte da herança que será destinada ao herdeiro no inventário?

Para respondermos essa questão jurídica, devemos nos fundamentar no diz o art. 642 do Código de Processo Civil de 2015. Essa disposição processual prevê um procedimento próprio para os credores possam receber os seus créditos dentro de processos judiciais de inventário. Trata-se do procedimento de habilitação de crédito para as pessoas que são credores do próprio falecido, cujo Espólio será aberto e levantado para a realização da partilha de bens da herança entre os herdeiros. Essa norma processual tem por finalidade possibilitar a quitação das dívidas do falecido dentro do processo de inventário para que então, o patrimônio positivo que venha a restar após o pagamento dos débitos, venham a ser partilhados como herança entre os herdeiros. Nesse sentido, o art. 642 do CPC diz que, antes da partilha, os credores do espólio poderão requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis. Esse pedido deve ser feito por meio de uma petição escrita devidamente acompanhada de prova literal da dívida, e será distribuída por dependência e autuada em apenso aos autos do processo de inventário. Mas veja, é preciso ter atenção porque a regra processual prevê essa possibilidade de cobrança e habilitação de crédito somente em favor dos credores do próprio falecido. A norma assegura esse direito de cobrança para os credores do Espólio, e não aos credores individuais de cada herdeiro. Portanto, se estivermos diante de uma dívida pessoal devida por um dos herdeiros, e não pelo próprio falecido, o credor de herdeiro não será parte legítima para habilitar o seu crédito dentro do processo de inventário, tendo em vista que a tal dívida não se relaciona diretamente com o espólio. O credor pessoal do herdeiro não terá interesse direto na herança do Espólio que é objeto do processo de inventário. Nesses casos de dívidas contra herdeiros, o credor individual não deve pedir habilitação de crédito no inventário, mas deve sim ajuizar ação própria de cobrança ou executiva contra o herdeiro na área cível. A partir do processo de cobrança, aí sim o credor deverá solicitar ao Juízo do inventário a penhora da parte da herança que será devida ao herdeiro em razão da partilha dos bens do Espólio. A parte da herança que será destinada ao herdeiro no inventário poderá ser penhorada no rosto dos autos do inventário, já que será um crédito que será atribuído ao herdeiro que figura na posição de devedor. Portanto, é preciso ficar atento à eleição da via processual adequada para se cobrar o seu crédito e não cometer erros na propositura das ações perante a Justiça. A legitimidade processual do credor é uma das condições da ação e deve ser observada na escolha da ação judicial mais adequada para a cobrança da dívida contra herdeiro individual. Inclusive, sobre o assunto temos uma jurisprudência consolidada nesse sentido do Superior Tribunal de Justiça por meio do REsp nº 1.985.045, REsp nº 1.877.738, AgInt no AREsp nº 1.955.075, AgInt no AREsp nº 1.955.075.