Empresário: cuidado com a desconsideração da personalidade jurídica

Você já ouviu falar na “Desconsideração da Personalidade Jurídica”? Sabia que o empresário pode ser responsabilizado pelas dívidas da empresa? Que a responsabilização pessoal do empresário pode levar à penhora de bens do seu patrimônio para o pagamento de dívidas e danos causados aos consumidores?

Hoje, vamos abordar um tema que aflige diretamente os empresários de todo o nosso Brasil: é a “Desconsideração da Personalidade Jurídica” nas relações de consumo, que gera como consequência a responsabilização pessoal do empresário e a possibilidade de penhora de todo o seu patrimônio para o pagamento de dívidas e danos causados aos consumidores, conforme previsto na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). A legislação brasileira estabeleceu a possibilidade de aplicação desse instituto jurídico que se chama “Desconsideração da Personalidade Jurídica”, como forma de garantir a satisfação de um crédito e evitar situações de abuso nas relações de consumo. A medida consiste em estender os efeitos das obrigações da empresa (Pessoa Jurídica) aos seus sócios (Pessoas Físicas), permitindo assim que a execução de uma dívida seja redirecionada da pessoa jurídica devedora para a pessoa física do sócio ou acionista. A teoria da desconsideração se subdivide em 2 (duas) espécies de acordo com os pressupostos de sua incidência: a teoria maior e a teoria menor. Como regra geral, o ordenamento jurídico brasileiro adota primeira teoria denominada “teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica”, que se encontra prevista no artigo 50 do Código Civil. Esse dispositivo preceitua que a desconsideração somente pode ser autorizada mediante clara comprovação no processo judicial de que houve por parte dos sócios um abuso da personalidade da empresa, seja por desvio de finalidade da pessoa jurídica, seja por confusão patrimonial entre os seus bens da empresa e os dos sócios. De outro lado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) no parágrafo 5º de seu artigo 28, adota a segunda teoria que ficou conhecida como “teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica”. O CDC admite a aplicação da medida a partir da simples demonstração do estado de insolvência da empresa ou quando a personalidade jurídica representa obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados, sem que seja necessário comprovar fraude ou abuso de direito. Para essa teoria, quem tem de suportar o risco da atividade empresarial é o empresário, e não o consumidor. O risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas sim pelos próprios sócios administradores da própria empresa. Pelo fato de terem assumido os riscos da atividade empresarial, os sócios administradores devem ser responsabilizados pelas dívidas da empresa, ainda que tenham agido de forma proba e não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios administradores da pessoa jurídica. Inclusive, o tipo societário da empresa não será um fator determinante para a aplicabilidade da teoria menor. Será possível admitir a desconsideração da personalidade jurídica de sociedades limitadas e também de sociedades anônimas, desde que seus efeitos se limitem às pessoas que detenham efetivo controle sobre a gestão da companhia. Atualmente, a aplicação da desconsideração menor com a responsabilização do sócio administrador é plenamente aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça. Existem vários julgados nesse sentido, dentre os quais podemos citar o REsp 279.273, REsp 1.862.557, REsp 2.034.442, REsp 1.860.333. Portanto, se você é empresário fique atento e tome cuidado para cumprir com as obrigações da pessoa jurídica junto aos consumidores e não ser responsabilizado pessoalmente pelas dívidas da empresa.

Usucapião de Imóvel Rural: cuidado!

O que é “Usucapião de Imóvel Rural”? Será que alguém pode adquirir a propriedade de um terreno rural pela posse aqui no Brasil? Quais são os requisitos legais para esse tipo de usucapião? Quanto tempo de posse será necessário? Qual o tamanho do bem imóvel que a lei permite usucapir?

A “Usucapião de Imóvel Rural”, também conhecida como “Usucapião Rural” ou “Usucapião Prolabore” surgiu para beneficiar o pequeno produtor agrário. Ela está prevista no artigo 191 da Constituição Federal de 1988 e também no artigo 1.239 do Código Civil. De acordo com os textos legais, essa modalidade originária de aquisição de propriedade exige a comprovação da posse mansa, pacífica e ininterrupta, por pelo menos 5 (cinco) anos, de área rural de até 50 hectares, e da sua utilização para produção e moradia. Ainda que alguns desses requisitos estejam presentes na usucapião urbana, a modalidade rural tem peculiaridades, como a necessidade de que a terra se torne produtiva por meio do trabalho do requerente e de sua família. Trata-se de uma exigência que busca incentivar a produtividade da terra e cumpre a função social de proteger os agricultores. Ou seja, esse tipo de usucapião rural se caracteriza pelo binômio “posse-trabalho”, no qual a exploração econômica e racional da terra é pressuposto inafastável, fato que deixa clara a intenção do legislador de prestigiar o possuidor da terra que efetivamente confere uma função social ao imóvel rural. Em relação ao tamanho do imóvel, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no Recurso Especial nº 1.040.296 que é possível adquirir por usucapião a propriedade de uma área menor do que os 50 (cinqüenta) hectares previstos em lei, uma vez que esse valor se refere ao tamanho máximo e não mínimo. Inclusive, essa área rural pode ser menor que o próprio módulo rural estabelecido para a região. Se o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possui área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal, será irrelevante o fato de aquela área não coincidir com o módulo rural da região ou até mesmo ser-lhe inferior. Além disso, o STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.123.850 decidiu que

a identificação do imóvel rural objeto de ação de usucapião deve ser feita mediante a apresentação de memorial descritivo que contenha as coordenadas georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites. A Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) e o Decreto 5.570/2005 que estabelecem a necessidade de identificação georreferenciada do imóvel rural. Por isso, é obrigatória a apresentação da descrição georreferenciada do imóvel rural pelo requerente por meio de memorial descritivo, para perfeita individualização do bem imóvel e o seu posterior registro público a partir de suas medidas, características e confrontações. Por último, importante alertar que o registro prévio da reserva legal no Cadastro Ambiental Rural (CAR) é uma condição para o registro da sentença de usucapião rural. O STJ por meio do Recurso Especial nº 1.356.207 consolidou o entendimento no sentido de que a averbação de reserva legal será necessária para a realização do registro de qualquer ato de transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel rural. Sendo assim, a averbação da reserva legal será uma condição para o registro da sentença de usucapião em favor do requerente junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Portanto, fique atento a esses pontos sobre a usucapião de imóvel rural.

5 novidades sobre o testamento

Hoje, vamos tratar novamente do tema “testamento”, mas agora para trazer 5 (cinco) esclarecimentos sobre essa importante ferramenta de direito sucessório. Todas essas orientações jurídicas retratam os entendimentos mais recentes do nosso Tribunal Superior (o STJ) sobre o assunto. Vamos a cada um desses pontos, detalhadamente: 1º (primeiro) esclarecimento: É válido o testamento, público ou privado, que reflete a real vontade emitida, livre e conscientemente, pelo testador e aferível diante das circunstâncias do caso concreto, ainda que apresente vício formal. Esse é o entendimento pacificado pelo STJ em vários julgados, uma vez que importa auferir no caso concreto qual foi a verdadeira intenção do testador ao dispor dos seus bens em prol dos herdeiros, mesmo que o documento em si possa vir a apresentar algum vício formal. A título de ilustração, citem-se os julgamentos proferidos no Agravo Regimental nº 6.052/SP e o Recurso Especial nº 2.005.052/SP. 2º (segundo) esclarecimento: É válido o testamento particular em que o testador, a despeito de não o ter assinado de próprio punho, apôs sua impressão digital. Como se sabe, o artigo 1.876 do Código Civil determina que o testamento particular seja escrito de próprio punho ou elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas. Entretanto, em casos excepcionais tal assinatura poderá ser substituída pela impressão digital quando o testador esteja impossibilitado de assinar por algum motivo, consoante decisão proferidas no Recurso Especial nº 1.633.254/MG e Agravo em Recurso Especial nº 2.281.675/SP. 3º (terceiro) esclarecimento: No testamento particular escrito de próprio punho, a ausência de testemunhas presenciais, sem qualquer circunstância excepcional justificadora, somada à inexistência de assinatura do testador em todas as folhas tornam o instrumento inválido. Realmente, o Código Civil é claro

ao prever certas formalidades para a confecção do testamento particular. Uma delas é justamente a necessidade da presença de 3 (três) pessoas diferentes para figurar como testemunhas da confecção do documento e leitura do testamento. Caso essa formalidade não seja observada, o ato será invalidade, conforme precedente firmado no Recurso Especial nº 2.000.938/SP. 4º (quarto) esclarecimento: É possível a realização de inventário extrajudicialmente, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes, concordes e estiverem assistidos por advogado. De fato, o testamento deve ser primeiramente validado por meio de uma Ação Judicial de confirmação de testamento a ser proposta pelos interessados na Justiça. Essa ação judicial se faz necessária para que o judiciário e Ministério Público possam aferir se todos os requisitos legais foram devidamente observados, incluindo o respeito aos limites patrimoniais do direito sucessório. Entretanto, uma vez validado os herdeiros poderão se valer do procedimento extrajudicial para realizar o inventário e partilha dos bens, nos termos dos julgados do Recurso Especial nº 1.951.456/RS e REsp 1.808.767/RJ. 5º esclarecimento: As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade vitalícias previstas em testamento têm duração limitada à vida do beneficiário e não se relacionam à vocação hereditária. Ora, com base no princípio da livre circulação dos bens cabe esclarecer que não é possível prever a inalienabilidade perpétua sobre um determinado bem. Em razão disso, as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade devem se extinguir com a morte do titular do bem clausulado, podendo a propriedade dos bens ser livremente transferida a seus sucessores. Trata-se de um entendimento conformado pelo STJ por meio dos precedentes judiciais do Recurso Especial nº 1.641.549/RJ e Recurso Especial nº 1.552.553/RJ. Portanto, essas são as 5 (cinco) orientações de hoje e fique atento na hora de fazer o testamento!

Taxa de conveniência: é legal a sua cobrança?

Será que é legal a cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos para espetáculos e jogos? Será que a taxa de conveniência pode ser cobrada, mesmo que o consumidor retire o ingresso na bilheteria do evento? E quanto as demais taxas chamadas de “taxa de retirada” e “taxa de entrega”, como elas podem ser cobradas pelas empresas de eventos?

Em relação a essas taxas que podem ser acrescidas sobre os preços dos ingressos, devemos primeiro fazer uma distinção sobre a natureza e tipo de cada uma delas. É importante entendermos o conceito de cada uma dessas espécies de taxas para que fique claro qual é o serviço que está sendo colocado à disposição do consumidor para contratação, com o seu respectivo custo de aquisição que gera a cobrança do valor adicional sobre o preço básico do ingresso pela empresa de eventos. Na venda de ingressos, temos 3 (três) taxas diferentes, sendo a “taxa de conveniência”, a “taxa de retirada” e a “taxa de entrega”. A “taxa de conveniência” é a aquela cobrada pela simples aquisição do ingresso por meio de uma empresa contratada para a comercialização. A “taxa de conveniência” visa remunerar uma empresa terceirizada pelos custos da intermediação na venda dos tíquetes para o público em geral. Neste caso, o consumidor terá a opção de adquirir o seu ingresso sem custos diretamente na bilheteria local mantida pela empresa de eventos. Ou então poderá adquirir os ingressos com uma empresa intermediadora (por exemplo, pela internet) e pagar a taxa de conveniência pela utilização do serviço de compra fora da bilheteria. Já a outra chamada de “taxa de retirada” (apelidada também de will call) é aquela objetiva remunerar os custos da impressão do ingresso na porta do evento. O consumidor compra o seu ingresso pela internet ou por telefone, mas, em vez de imprimi-lo em sua casa, faz a opção pela emissão em bilheteria específica que é colocada à sua disposição no dia do espetáculo. Neste caso, o consumidor opta por utilizar o serviço que é ofertado pela empresa organizadora para a impressão dos seus tíquetes no momento do evento e, por isso, existe a cobrança de uma despesa extra. Por último, existe a chamada “taxa de entrega” que se destina a remunerar os custos da entrega dos ingressos em sua casa. O consumidor compra o seu tíquete pela internet ou telefone e solicita à empresa organizadora que o seu ingresso seja entregue em sua casa, seja através dos serviços dos correios ou por outro serviço de entrega ofertado. Nessa situação, o consumidor deverá pagar uma taxa adicional sobre o valor do ingresso que será cobrada separadamente pela empresa de eventos em razão das despesas de entrega. Portanto, é possível perceber que existem 3 tipos de taxas diferentes, sendo que cada uma delas tem a sua finalidade e remuneração específica. Todas as 3 espécies de taxas são legais e podem ser cobradas pela empresa organizadora, sem que isso configure abusividade ou venda casada em desfavor do consumidor. Basta que a empresa de eventos cumpra 3 (três) requisitos: 1) primeiro, informe ao consumidor e deixe claro no ato da venda quais são os valores extras cobrados pelos serviços, de forma separada do preço básico do ingresso; 2) segundo, que os serviços cobrados sejam realmente facultativos, sendo a opção do próprio consumidor de vir a adquirir ou não os serviços extras; e 3) terceiro, que os serviços adicionais sejam efetivamente prestados pela empresa. Inclusive, recentemente tivemos um caso julgado pelo STJ por meio Recurso Especial nº 1.632.928, no qual a justiça considerou válidas as cobranças extras justamente pelo fato da empresa organizadora cumprir todos esses 3 (três) requisitos em respeito ao Código de Defesa do Consumidor.

STJ PERMITE A PENHORA SOBRE PERCENTUAL DO FATURAMENTO DA EMPRESA

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou neste mês de abril de 2024 o Tema Repetitivo nº 769 e reconheceu a validade da penhora sobre o percentual de faturamento de empresa. A partir de agora, a penhora de faturamento da empresa poderá ser realizada após a demonstração da inexistência de bens do devedor ou, alternativamente, se houver constatação pelo juiz de que os bens penhoráveis são de difícil alienação. Portanto, fique até o final deste vídeo e entende como a penhora pode acontecer e afetar o faturamento da sua empresa!

No regime do atual Código de Processo Civil de 2015, a penhora sobre o faturamento da empresa está prevista no inciso X do art. 835 e seu procedimento no art. 866 do CPC. Conforme dispõe o art. 835, a penhora de bens em desfavor do executado deverá observar, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV – veículos de via terrestre; V – bens imóveis; VI – bens móveis em geral; VII – semoventes; VIII – navios e aeronaves; IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias; X – percentual do faturamento de empresa devedora; XI – pedras e metais preciosos; XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII – outros direitos. Como visto, a penhora de faturamento está listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial. Apesar de ocupar o décimo lugar, o STJ confirmou que esse tipo de penhora poderá ser deferida pelo Juiz fora da ordem listada pelo art. 835 do CPC em 2 (duas) situações distintas dentro do processo judicial. Numa primeira situação, o credor demonstra que não foram encontrados outros bens do devedor que são passíveis de penhora e estão classificados em posição anterior do art. 835 do CPC. Ou seja, o credor demonstra que não existem outros bens para a satisfação da dívida e resta somente a próxima possibilidade penhora sobre o percentual de faturamento da empresa. Já numa segunda situação, o credor demonstra ao Juiz que os bens existentes do devedor, e passíveis de penhora, serão de difícil alienação em leilão para a satisfação da dívida executada. Isso significa dizer que, apesar de existentes, os bens encontrados não serão úteis para o pagamento do crédito. Sendo assim, caso seja demonstrada a ocorrência de quaisquer dessas 2 (duas) situações, o Juiz poderá ordenar a constrição judicial sobre o faturamento da empresa sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei. O juiz com base no artigo 835, parágrafo 1º, do CPC/15 irá permitir a penhora fora da ordem legal de bens, desde existam provas concretas trazidas pelo devedor, uma vez que não será lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado. Caso seja aceita, o juiz deverá estipular em sua decisão 2 (dois) parâmetros para realização do ato de constrição. Primeiro, fixar qual será o percentual da penhora do faturamento, observando a satisfação do crédito em tempo razoável, mas que não torne inviável o exercício da atividade empresarial. Segundo, nomear um administrador-depositário para que elabore um plano de penhora sobre o faturamento da empresa e preste contas mensalmente dos valores penhorados, mediante a apresentação dos respectivos balancetes mensais sobre o pagamento da dívida. Portanto, se você é empresário e tem dívida tome cuidado! A penhora de faturamento pode ser utilizada nas execuções fiscais e demais cobranças, uma vez que não ofende o princípio da menor onerosidade que protege os devedores.

HERDEIROS RESPONDEM SOLIDARIAMENTE PELAS DÍVIDAS DE CONDOMÍNIO

O caso é o seguinte: os herdeiros receberam um imóvel de herança que tem dívida de condomínio atrasada e não paga pelo falecido. Será que os herdeiros respondem por essas dívidas de condomínio anteriores ao inventário? Ou será que eles respondem até o limite do valor da herança? No processo de cobrança, o Condomínio poderá cobrar o débito total de cada herdeiro, ou cada um responde somente pela sua cota parte?

Por se tratar de uma questão complexa, primeiro precisamos rememorar alguns conceitos importantes sobre direito sucessório e condomínio. Conforme dispõe os arts. 91 e 1.791 do Código Civil, a herança é considerada um conjunto de bens e direitos único. É conjunto de bens e direitos universal, de natureza indivisível, que se transmite aos herdeiros no momento do falecimento de uma só vez, ainda que seja composta de vários bens e de diferentes herdeiros. Com o falecimento de uma pessoa natural, temos como consequência jurídica a abertura da “sucessão da herança”. Isso quer dizer que os bens e direitos da herança se transferem, de imediato, aos respectivos sucessores de acordo com o Princípio da Saisine adotado pelo art. 1.784 do Código Civil. Entretanto, até que seja formalizada a transferência da posse e propriedade dos bens da herança por meio do procedimento de inventário, a herança será regida pelas normas jurídicas de um condomínio, justamente por se tratar de um conjunto unitário e indivisível de bens. E dentro desse contexto, os bens e direitos da herança servirão, primeiro, para pagar integralmente as dívidas que eventualmente o falecido tiver deixado após sua morte. Caso tenhamos um saldo positivo de bens após a quitação, a herança será partilhada e assim definidos os quinhões de cada herdeiro, sendo certo que, a partir daí, cada um dos herdeiros responde, cada qual proporcionalmente ao seu quinhão, até o limite do valor da cota parte que lhe coube na herança, nos termos dos arts.1.792 e 1.997 do Código Civil. Com isso, após a partilha, não há que se cogitar em solidariedade entre os herdeiros sobre as dívidas divisíveis do falecido, cabendo ao credor executar os herdeiros de forma pro rata, observando a proporção da parte que cada um recebeu sobre o acervo do patrimônio que foi partilhado. Portanto, essa é a regra geral que se aplica à maioria dos casos, segundo a qual a responsabilidade do herdeiro por dívidas do falecido é proporcional e limitada ao seu quinhão recebido na herança. Ocorre que, quando se herda um bem imóvel com despesas condominiais, é preciso se atentar para a natureza propter rem dessa obrigação. A dívida existe em razão da propriedade do bem e acompanha o imóvel, independentemente de quem seja a pessoa do seu titular. Nesse sentido, temos uma regra específica disposta no art. 1.345 do Código Civil que diz que o adquirente de um bem imóvel herda os débitos do alienante e responde pelos valores devidos de condomínio pela unidade imobiliária antes e depois da sua aquisição, inclusive por multas e juros moratórios. Inclusive, caso exista mais de um proprietário do imóvel, a responsabilidade pelo adimplemento das cotas condominiais será solidária. Essa solidariedade resulta do próprio art. 1.345 na medida em que admite a responsabilização de todos os atuais proprietários do imóvel sobre as despesas condominiais, ressalvando-se o direito de regresso do herdeiro que satisfez a dívida por inteiro contra os demais codevedores, nos termos do art. 283 do Código Civil. Para ilustrar essa situação, tivemos o julgamento recente do Recurso Especial nº 1.994.565 no Superior Tribunal de Justiça que confirmou a reponsabilidade integral e solidária dos herdeiros sobre as dívidas de condomínio do falecido sobre um imóvel recebido por herança.

QUEM DEVE PARTICIPAR DA AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE?

Numa ação de dissolução parcial de sociedade por cotas, quem deve participar e responder por essa ação? Será que são os sócios? Será que é a empresa? Ou será que os sócios e a empresa devem participar em conjunto e serem incluídos no polo passivo da dissolução parcial de sociedade?

A chamada “ação judicial de dissolução parcial de sociedade”, que visa desfazer uma parte da sociedade entre os sócios e apurar os haveres do sócio retirante, falecido ou excluído. A ação de dissolução parcial ocorre quando um sócio se desliga da sociedade, mas os demais sócios remanescentes continuam com as atividades empresariais. Nestes casos, é necessário realizar o procedimento de dissolução parcial da sociedade e apuração de haveres do ex-sócio, procedendo-se a avaliação do valor das suas cotas com base no valor atual do patrimônio da sociedade, conforme determina o art. 1.031 do Código Civil e o art. 599 do Código de Processo Civil. A avaliação das cotas é feita por meio de um laudo patrimonial contábil denominado “Balanço Especial de Determinação” que reavalia o patrimônio da empresa e apura a valor de mercado todos os bens corpóreos ou incorpóreos que compõem o patrimônio social, considerando os ativos e passivos à preço justo de saída tal como se houvesse a dissolução total da sociedade naquele momento. Em relação à propositura da ação judicial de dissolução de sociedade, inicialmente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendia que poderiam participar da demanda judicial somente os sócios, sendo desnecessária a citação da pessoa jurídica se todos os que participam do quadro social estivesse na lide, conforme o Recurso Especial nº 1.121.530/RN julgado em 2012. Depois, em 2016 a jurisprudência dessa Corte evolui e se firmou no sentido de que, em regra, a sociedade e os sócios remanescentes deveriam participar dessa ação de forma necessária, formando uma situação processual que no Direito chamamos de “litisconsórcio passivo necessário”, nos termos do que restou decidido no Recurso Especial nº 1.015.547/AM. Entretanto, agora o entendimento do STJ evoluiu novamente e mudou. Com o julgamento do Agravo Regimental do Recurso Especial nº 2.002.450-SE, o STJ passou a entender que a empresa não precisa obrigatoriamente participar do processo judicial. Desde de que todos os sócios remanescentes façam parte e tenham sido incluídos do processo judicial de dissolução, a sociedade empresária não precisa necessariamente ser citada para integrar a lide processual. Se todos os sócios já participam do processo e exercem o seu direito de ampla defesa e do contraditório, torna-se desnecessária também a participação da empresa nessa ação judicial porque não existe prejuízo para a sociedade. Assim sendo, basta que todos os sócios sejam incluídos no processo judicial para sua validade. Inclusive, se todos os sócios participarem da ação judicial e a sociedade empresária não fizer parte do polo passivo, ainda assim a empresa estará sujeita aos efeitos da sentença advinda da ação judicial e poderá vir a ser incluída na futura fase de cumprimento de sentença. Essa regra se encontra disposta no art. 601 do Código de Processo Civil que prevê que a sociedade não precisa de ser citada se todos os seus sócios o forem na ação judicial, mas apesar disso ficará sujeita aos efeitos da decisão e da coisa julgada mesmo que não tenha participado da fase inicial de conhecimento do processo judicial.

REGISTRO É ESSENCIAL PARA INTEGRALIZAÇÃO DE BENS IMÓVEIS

Você sabe o que é integralização de bens? Que a sociedade pode ser formada por dinheiro ou bens móveis e imóveis? Que em se tratando de imóveis, é necessário o registro do Contrato Social perante o Cartório de Registro de Imóveis, a fim de que se possa transferir em definitivo a propriedade em favor da empresa? 

Para entender melhor essa questão, primeiro gostaria de trazer alguns conceitos societários básico. A constituição formal de uma sociedade empresária é formalizada pelos seus sócios por meio do da inscrição do Contrato Social perante o Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias. Com o registro do contrato, a sociedade criada adquire personalidade jurídica e patrimônios próprios, totalmente distintos dos seus sócios fundadores conforme disposto nos arts. 985 e 1.150 do Código Civil. No ato da constituição da empresa, os sócios se obrigam no Contrato Social ao pagamento do capital social subscrito para formação do patrimônio inicial da nova pessoa jurídica. É no Contrato Social que os sócios deverão especificar os valores, prazos e condições pelas quais se dará a integralização do capital social, conforme art. 997, III e IV, do Código Civil. A integralização é o ato pelo qual os sócios transferem em favor da nova pessoa jurídica os valores e bens suficientes para compor a quantia de capital social descrita no Contrato Social. Ou seja, os bens saem da esfera patrimonial dos sócios e passam a pertencer exclusivamente à nova pessoa jurídica que, dali em diante, passará a deter o patrimônio social em seu próprio nome e de forma totalmente distinta do patrimônio da pessoa dos seus sócios. A integralização do capital social em favor da empresa poderá ser feita por meio da transferência de dinheiro ou bens (móveis ou imóveis). O Código Civil permite que o capital social das sociedades empresárias limitadas, expresso em moeda corrente, possa ser formado por qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária, sendo vedada a contribuição em prestação de serviços nos termos do art. 997, III e art. 1.055, § 2º do Código Civil. Em se tratando especificamente de bens imóveis, a integralização do capital social deve ser acompanhada do devido procedimento de registro perante o Cartório de Registro de Imóveis (CRI). Para que o bem imóvel possa ser transferido à esfera de patrimônio da empresa, será necessário que o Contrato Social seja levado a registro perante o Cartório de Registro de Imóveis, a fim de que se possa operar a transferência definitiva da propriedade do bem em favor da empresa. Só com o registro perante o Cartório de Imóveis é que teremos a completa transferência e total incorporação do bem imóvel ao patrimônio da sociedade. Essa obrigatoriedade está disposta no art. 64 da Lei 8.934/1994 (Lei de Registro Público de Empresas Mercantis) conjugado com o art. 1.245 do Código Civil. Com o registro, o bem imóvel deixará de ser um bem de titularidade da pessoa do sócio e passará a ser de propriedade exclusiva da sociedade empresária.

CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS É NECESSÁRIA PARA PEDIDO DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

Você já ouviu falar em recuperação judicial de empresas? Que a recuperação serve para suspender os pagamentos e o reparcelar as dívidas junto a credores? Mas que os débitos tributários federais não entram no pedido de recuperação, sendo assim necessário que a empresa apresente a sua certidão negativa de débitos federais para deferimento da recuperação?

Em primeiro lugar, verificamos qual é a origem das suas dívidas. Se os débitos são de natureza tributária, trabalhista, previdenciária, civil ou administrativa. Em segundo, analisamos quais são os valores dessas dívidas. Precisamos estimar a se existe ou não a viabilidade de pagamento pelo devedor. Na maioria das vezes, infelizmente nos deparamos com a seguinte situação: a maior parte da dívida é de natureza tributária, especificamente de tributos federais devidos à Receita Federal/Governo Federal. E diante disso temos um grande problema porque os débitos tributários federais não estarão sujeitos aos benefícios da recuperação judicial (que é a suspensão dos pagamentos e o reparcelamento futuros dentro do plano de recuperação se aprovado). A Receita Federal por meio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional continuará com o privilégio de poder executar tais dívidas em paralelo ao processo de recuperação judicial que eventualmente esteja em andamento, uma vez que o 187 do Código Tributário Nacional (CTN) exclui tais dívidas do concurso de credores da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas). Sendo assim, para que possamos propor um pedido seguro e viável de recuperação judicial, recomendamos que a empresa venha primeiro a renegociar os seus débitos junto ao Governo Federal. É preciso que a empresa obtenha a certidão negativa de débitos tributários federais (CND) ou então a certidão positiva com efeito negativo (CPEN) para que as cobranças tributárias sejam suspensas e não tenhamos nenhum tipo de bloqueio ou restrição sobre o patrimônio da empresa. Inclusive, a própria Lei de Recuperação em seus artigos 57 e 58 prevê a obrigatoriedade da apresentação da certidão negativa de débitos federais como condição necessária à propositura e aceitação do processo de recuperação judicial. Até pouco tempo atrás, existiam entendimentos judiciais (jurisprudências) sobre a possibilidade de afastar a exigência das certidões negativas federais. Entretanto, em 2 (duas) decisões recentes o Superior Tribunal de Justiça – STJ em outubro/2023 e janeiro/2024 veio a pacificar a matéria por meio dos julgamentos do Recurso Especial nº 2.082.781- SP (2023/0225989-6) e do Recurso Especial nº 2.053.240-SP (2023/0029030-0). Esse Tribunal Superior passou a considerar não ser mais possível dispensar a apresentação das certidões negativas de débitos fiscais para o deferimento da recuperação após as modificações trazidas pela Lei 14.112/2020. A apresentação das certidões federais exigidas pelos arts. 57 e 58 da Lei de Recuperação constitui exigência inafastável, com a ressalva feita em relação aos débitos fiscais de titularidade das fazendas estaduais, do Distrito Federal e dos municípios. Isso porque a Lei 14.112/2020 se destinou a melhor estruturar o parcelamento especial do débito fiscal (no âmbito federal) para as empresas em recuperação judicial (art. 10-A e 10-B da Lei n. 10.522/2022), bem como a estabelecer a possibilidade de a empresa em recuperação judicial realizar, com a União, suas autarquias e fundações, transação resolutiva de litígio relativa a créditos inscritos em dívida ativa nos moldes da Lei 13.988/2020 (10-C da Lei n. 10.522/2022), criando-se assim os programas de transação e reparcelamento que dão toda a possibilidade da empresa vir a negociar os seus débitos junto ao Governo Federal antes de efetuar o pedido de recuperação. Caso a empresa não venha a apresentar a certidão negativa federal no ato do pedido de recuperação judicial, o Juiz deverá determinar a suspensão do processo de recuperação judicial até a sua efetiva apresentação. Em seguida, o Juiz poderá autorizar a imediata retomada do curso das execuções fiscais individuais pela RFB/PGFN e também analisar a procedência dos eventuais pedidos de falência se a empresa permanecer sem a apresentação da certidão.

PRESTAÇÃO DE CONTAS DO INVENTARIANTE

Muitas famílias acabam brigando no momento da realização do inventário. Uma boa parte dessas brigas decorre justamente da falta de diálogo, informações e clareza na condução do inventário por parte do inventariante. Você sabia que o inventariante tem a obrigação legal de prestar contas? Que o inventariante deve deixar todos os herdeiros devidamente informados, independentemente de solicitação? Que essa obrigação é equivalente à função de um administrador bens de terceiros?

A Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil) no art. 618 do CPC dispõe que incumbe ao inventariante prestar contas de sua gestão. É uma obrigação imposta por lei que incide sobre a pessoa do inventariante. Esse dever é compulsório porque advém do próprio ônus do exercício das suas funções como administrador temporário dos bens do falecido. Por ser assim, podemos dizer que o inventariante tem o dever de prestar contas por força da lei e o herdeiro possui o direito de exigir contas do inventariante. O cumprimento da obrigação de prestar contas por parte do inventariante geralmente ocorre em 2 (dois) situações distintas: ou quando o inventariante deixa de exercer o seu encargo; ou sempre que o juiz determinar essa prestação ao longo do inventário. Entretanto, o que recomendamos à família e, em especial ao inventariante, é que todas as contas sobre o espólio sejam prestadas aos herdeiros de forma periódica, ao longo do procedimento de inventário. O ideal é que o inventariante informe aos herdeiros, periodicamente, sobre todos os acontecimentos, dados e números durante a administração dos bens do espólio, que compreende desde o falecimento, abertura do inventário, arrolamento até a efetiva partilha dos bens. Por outro lado, os herdeiros poderão solicitar as informações sobre o espólio a qualquer momento e sem a necessidade de apresentação de um motivo específico. Ou seja, os herdeiros podem requerer as contas sem precisar justificar as razões do seu pedido e muito menos demonstrar um motivo para tanto. As contas devem ser prestadas pelo inventariante independentemente da necessidade de apresentação de quaisquer suspeitas, indícios ou evidências de que existe uma administração temerária, fraudes, desvios ou afins sobre o patrimônio do espólio. Inclusive, recentemente tivemos uma decisão importante sobre essa matéria proveniente do Superior Tribunal de Justiça por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.931.806. Nesse caso, o STJ reiterou que é desnecessária a apresentação de qualquer justificativa ou motivação para que o herdeiro possa exigir a prestação de contas do inventariante. O STJ afirmou que o inventariante tem dever de apresentar suas contas sempre que solicitado, de forma incidental e conexa ao procedimento de inventário conforme determina o art. 553 do CPC, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma de exigir contas em separado pelo herdeiro