NOVO PROGRAMA DA RECEITA FEDERAL: FISCALIZAÇÃO SOBRE A RENDA VARIÁVEL

Hoje venho trazer uma informação de utilidade pública para quem aplica em renda variável aqui no Brasil: você sabia que é possível apurar o Imposto de Renda sobre as operações em renda variável sem erro? Que é possível automatizar o procedimento de apuração? Que já existe um programa que te auxilia no cálculo do IR sobre essas aplicações financeiras?

No dia 25 de outubro de 2023 a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.164, que criou o Programa Auxiliar de Apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física para operações de Renda Variável, conhecido como ReVar. Esta instrução estabelece as diretrizes para o envio de informações à Receita Federal relacionadas a transações realizadas no mercado financeiro e de capitais. A partir de agora, o contribuinte poderá contar com uma calculadora oficial da Receita Federal para calcular o imposto incidente sobre a renda variável de pessoas físicas. É um programa em desenvolvimento, liderado pela RFB e em colaboração com a Bolsa de Valores – B3. Isso permitirá automatizar completamente o processo de apuração de ganhos em renda variável e, por consequência, o cálculo do Imposto de Renda devido nessas operações. Para essa finalidade, a Receita Federal considera “renda variável” aquela decorrente de operações realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, existentes no País, e de operações com liquidação futura fora de bolsa. O acesso ao programa deverá ser feito por meio do e-CAC, com a autenticação através da conta gov.br, com Identidade Digital Prata ou Identidade Digital Ouro. O programa estará disponível no e-CAC para os contribuintes que autorizarem a bolsa de valores a compartilhar informações pertinentes com a RFB, seguindo o cronograma que está dividido em 3 etapas: 1) 1ª etapa: De janeiro a março de 2024, para os investidores incluídos na versão inicial do programa, destinada a testes de funcionamento e validação de regras; 2) 2ª etapa: A partir de abril de 2024, para os investidores que realizam operações apenas no mercado à vista e que não fazem operações de empréstimo de ativos e com ouro ativo financeiro. 3) 3ª etapa: A partir de janeiro de 2025, para os investidores que realizam as operações previstas no mercado à vista e de liquidação futura. Portanto, o ReVar será um programa destinado a calcular os resultados em renda variável e o imposto de renda. Mas além disso, uma facilidade oferecida ao contribuinte é que o ReVar possibilitará a emissão em tempo real do Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf) e possibilitará o pré-preenchimento automático da Declaração Anual do Imposto de Renda. O Imposto sobre a Renda da Pessoa Física – IRPF apurado por meio do ReVar deverá ser recolhido em até o último dia útil do mês subsequente ao da realização da operação, contado da data do pregão, por meio de Documento de Arrecadação de Receitas Federais – Darf gerado pelo programa. O ReVar poderá ser utilizado por pessoas físicas residentes no país e também por pessoas físicas residentes ou domiciliadas no exterior. Enfim, essa será mais uma ferramenta disponibilizada pela Receita Federal para facilitar a vida do contribuinte e, é claro, ao mesmo tempo aumentar a arrecadação.

CUIDADO: PENHORA DA CONTA POUPANÇA

Hoje vamos falar sobre a penhora de conta poupança por credores para o pagamento de dívidas cobradas na Justiça. Você sabe o que é este tipo de conta? Quais são as características desse tipo de investimento? Que uma parte dela é impenhorável?

A “caderneta de poupança” é um dos investimentos mais populares do país, que conta com simplicidade e baixo risco. Trata-se de um investimento popular e tradicional em nosso país porque o cliente pode de maneira simples fazer a aplicação e resgate nesse investimento, com isenção de imposto de renda.Ela é oferecida pelas instituições financeiras públicas e privadas, por meio de conta bancária chamada de “conta poupança”. As regras de remuneração da caderneta de poupança são regulamentadas pelo art. 12 da Lei nº 8.177/91 e art. 7 da Lei nº 8.660/1993, que preveem 2 (duas) parcelas na composição da remuneração da poupança: 1) A primeira, que é a remuneração básica que reflete a Taxa Referencial (TR); 2) A segunda, que é uma remuneração adicional correspondente a: (i) 0,5% ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano for superior a 8,5%; ou (ii) 70% da meta da taxa Selic ao ano enquanto a meta da taxa Selic ao ano for igual ou inferior a 8,5%. Assim sendo, podemos perceber que a poupança é uma conta de “depósitos remunerada”. Os valores depositados na conta são aplicados automaticamente na caderneta de poupança, que têm liquidez diária e sofre remunerações mensais. Trata-se de uma aplicação segura que funciona como uma reserva de valor para o enfrentamento de eventuais adversidades pelo investidor. Nesse contexto, a conta de poupança é bem diferente da conta corrente, que é uma conta sem rendimentos porque é formatada para transações monetárias do dia a dia, tais como pagar contas, receber dinheiro, fazer compras, com uma natureza circulatória e não de capital de guarda. Em razão do caráter de guarda, a legislação confere à caderneta de poupança uma proteção especial. O art. 833, inciso X da Lei nº 13.105/15 confere à poupança a proteção da impenhorabilidade. Os valores guardados até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos são impenhoráveis e ficam protegidos para permitir ao investidor uma dignidade caso venha a precisar desse dinheiro para eventuais imprevistos em sua vida, tais como enfermidades e falecimento. Ocorre que, existem pessoas que utilizam de forma indevida a conta poupança com a sua respectiva proteção legal de impenhorabilidade. São pessoas que utilizam a conta poupança para movimentar quantias diárias, em vez de fazer os depósitos, saques e pagamentos dos valores em dinheiro dentro da própria conta corrente. Com isso, a pessoa pretende proteger tais valores dentro da conta poupança e evitar a exposição da conta corrente, a fim de fugir dos pedidos de penhora que podem ser feitos por credores. Trata-se de uma manobra que desvirtua e frauda o objetivo da lei que visa proteger o capital de guarda dentro da poupança para imprevistos. Entretanto, os nossos Tribunais estão atentos à esse tipo de atitude por parte de devedores. O Superior Tribunal de Justiça por meio do AgRg no AResp nº 511240/AL disse que a intensa movimentação da conta poupança atestada por extrato bancário, com compensações de cheques, gastos com créditos e diversos saques, geram a descaracterização da conta como “conta poupança”. Isso permite que o dinheiro ali movimentado venha a ser penhorado por credores por se tratar de valores correntes e disponíveis face à intensa movimentação, fato que afasta a proteção da impenhorabilidade do art. 833 do Código de Processo Civil que busca proteger valores poupados destinados à reserva do indivíduo e família.

“DEVER DE FIDELIDADE FINANCEIRA” ENTRE O CASAL

Hoje vamos falar de um tema espinhoso que é pouquíssimo falado dentro das famílias porque envolve relacionamento, dinheiro e dívidas. Talvez você nem saiba que existe, mas vamos tratar do “dever de fidelidade financeira” entre os cônjuges previsto por lei. Você sabe o que significa o dever de fidelidade financeira entre o casal? Quais as consequências da não observância desse dever por um dos cônjuges? Que o dever de fidelidade financeira existe em todos os regimes patrimoniais de relacionamento, inclusive no regime de separação de bens?

Em primeiro lugar, quero lembrar que o Código Civil estabelece quais são os deveres dos cônjuges no casamento, que são aplicáveis também ao relacionamento estabelecido sob o formato de união estável. Esses deveres estão listados no art. 1.566 do Código Civil, no qual dispõe que são deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos. Em se tratando especificamente do dever de fidelidade recíproca do casal, temos que esse conceito vai muito além do contexto sexual e engloba também a “fidelidade financeira”. A fidelidade financeira é o dever que cada cônjuge tem de informar e manter o outro ciente, seja antes ou depois, sobre os valores dispendidos com a realização das compras, empréstimos e dívidas contraídas para pagamento das despesas necessárias à economia doméstica. Nos valores relacionados com a economia doméstica entram todos aqueles gastos relacionados com o exercício do poder familiar pelo casal (isto é, necessários à formação de uma família), tais como as despesas assumidas com a aquisição, manutenção e reforma da casa, a educação dos filhos, comida para todos, e ainda, o lazer das pessoas. Trata-se de um conceito amplo que engloba todas as despesas assumidas por quaisquer dos cônjuges e que são revertidas em proveito da entidade familiar. Esse é o espírito da lei que prevê de forma proposital um conceito elástico para nele caber todas as coisas necessárias à economia doméstica de uma família. O grande problema disso tudo é que cada um dos cônjuges pode, independentemente da autorização do outro, realizar todas as compras, empréstimos e dívidas necessárias à economia doméstica. E essas dívidas obrigam solidariamente ambos os cônjuges que passam a ser responsáveis, em conjunto, por todos esses valores ainda que um deles não tenha tido ciência do gasto realizado ou concordado com dívida que foi contraída perante terceiros. Por força dos arts. 1.643 e 1.644 do Código Civil, a lei torna ambos os cônjuges legalmente responsáveis e solidários por todas as coisas obtidas para a economia doméstica em proveito da entidade familiar contraídas por um dos cônjuges individualmente. Além disso, tal regra vale para todos os regimes patrimoniais de relacionamento do casamento ou união estável, inclusive no regime de separação de bens. Mesmo que se tenha escolhido o regime de separação de bens onde, a princípio, todos os bens e dívidas estão separados entre o casal, a lei criou uma exceção e responsabilizou ambos os cônjuges em conjunto quando se tratar das compras, empréstimos e dívidas contraídas para o pagamento das despesas necessárias à economia doméstica. Os nossos tribunais já deixaram essa interpretação bem clara por meio dos julgamentos proferidos nos Recursos Especiais de nºs 1.444.511/SP e 1.472.316/SP. É por isso que, infelizmente, vemos muitos casais brigando durante ou ao final do relacionamento para dividir as dívidas que foram contraídas por um sem a ciência do outro. Geralmente são despesas com cartões de crédito, escola dos filhos, reformas da residência, viagens, motos, barcos, e outros itens que podem até parecer supérfluos, mas que foram revertidos em prol da família. Por isso, ambos devem agora arcar igualmente com os prejuízos. Para diminuir esses riscos, recomendamos a inserção por escrito de uma “Cláusula de Fidelidade Financeira” no pacto antenupcial com a obrigação de ambos os cônjuges informarem ou pedirem autorização, um ao outro, para a assunção de dívidas dessa natureza acima de determinados valores.

COMO BENEFICIAR UM MENOR POR TESTAMENTO

Hoje vamos voltar a tratar do tema “testamento” para que eu possa trazer informações importantes sobre essa ferramenta jurídica de planejamento sucessório. As orientações jurídicas que vou te passar hoje se referem à proteção e administração dos bens da herança deixados em favor de um menor de idade, seja ele absolutamente incapaz com até 16 anos incompletos, ou relativamente incapaz com idade entre 16 a 18 anos incompletos. Você sabia que é possível beneficiar um menor por testamento? Que o testador pode nomear uma pessoa como curadora especial responsável por administrar os bens do menor até que ele atinja a maioridade? Que esse responsável pode ser uma pessoa diferente dos Pais?

Em primeiro lugar, cabe lembrar que a nossa legislação com base nos artigos 1.862 e seguintes do Código Civil estipula 3 (três) modalidades de testamento diferentes, cada qual com as suas próprias formalidades que devem ser obrigatoriamente observadas pelo testador, sob pena de vir a ser declarada no futuro a nulidade do documento. 1) O primeiro tipo é o “testamento público”, que é aquele em que o testador se dirige até um Cartório de Notas e declara a sua vontade perante o tabelião que, com fé pública, certifica a sua livre vontade, juntamente com 2 testemunhas que acompanham confecção e leitura. 2) O segundo tipo, é o “testamento particular” que é feito pelo próprio testador por meio de uma declaração manuscrita (de próprio punho) ou no formato mecânico (que pode ser datilografado ou digitado), sendo que em ambos os casos o testamento deve ser ao final assinado pelo declarante, juntamente com 3 (três) testemunhas que atestam a sua leitura. 3) O terceiro tipo é o testamento cerrado”, que leva esse nome porque é feito dentro do formato particular mas depois é levado ao Cartório para que o tabelião possa confirmar a sua livre vontade na presença de 2 (duas) testemunhas. Após essa leitura, o testamento é lacrado e guardado no Cartório até o momento da sua abertura que se dará após falecimento do testador e quando então é revelado o seu conteúdo. Portanto, esses são os 3 (três) tipos de testamento admitidos pela nossa legislação. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade ou parte dos seus bens, para que sejam repartidos depois de sua morte. Pelo testamento, é possível que alguém venha a destinar uma parte da herança, ou alguns bens específicos do seu patrimônio, em favor de uma pessoa que seja menor de idade. Assim, o menor pode vir a ser beneficiado como herdeiro (com uma cota parte da herança) ou como legatário (somente um ou alguns bens determinados). Acontece que, enquanto o beneficiário for menor, ele não estará na administração do patrimônio recebido por testamento porque são incapazes. Em regra, quem virá a administrar esses bens serão os Pais até que o menor venha a atingir a maioridade. Porém, vou te passar uma orientação importante: é possível nomear como curador especial um terceiro que não seja um dos Pais para administrar os bens do menor durante a sua menoridade. Com base no art. 1.733, parágrafo 2º, do Código Civil, existe a possibilidade de nomeação de curador especial para a gestão de bens deixados a herdeiro menor, ainda que a criança ou o adolescente esteja sob poder familiar dos Pais. Isso quer dizer que o testador poderá nomear um terceiro da sua própria confiança para ficar na administração dos bens que foram deixados ao menor, mesmo que esse menor tenha Pais vivos e esteja sob o pátrio poder dessa família. A instituição de uma curadoria especial para a gestão do patrimônio do menor não afasta o exercício do poder familiar dos Pais sobre o menor, podendo ambos os institutos conviver de forma harmônica porque o curador especial se restringe a administração patrimonial. Para que isso seja possível e válido, o testador deverá fazer por escrito uma cláusula específica no testamento com a previsão da nomeação do curador especial para administração dos bens favorecidos ao menor. Inclusive, recentemente tivemos um caso interessante julgado pelo Superior Tribunal de Justiça por meio do Recurso Especial nº 2.069.181. Nesse julgamento, o STJ declarou plenamente válida a nomeação de uma irmã mais velha da menor como curadora especial, em vez dos próprios Pais, para exercer a administração da herança deixada em favor dessa menor.

DOAÇÃO DO “BEM DE FAMÍLIA” PARA FILHO NÃO É FRAUDE

Hoje iremos voltar a tratar dos temas “bem de família” e “doação de bens”. Vou comentar um caso interessante que foi julgado recentemente no mês de novembro de 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reafirmou a seguinte tese: “a alienação do imóvel que sirva de residência para o devedor e sua família não afasta a impenhorabilidade do bem de família, motivo pelo qual não está caracterizada a fraude à execução fiscal”.

Antes de adentrar no caso, importante relembrar que o chamado “bem de família” é o bem imóvel utilizado pela família como residência. É o local onde mora um conjunto de pessoas reunidas como entidade familiar, independentemente da quantidade ou gênero. O que interessa para a lei são 2 (dois) pontos específicos: 1) O primeiro seria o caráter residencial do imóvel; 2) O segundo é que esse bem seja utilizado como moradia de uma família. Com o preenchimento desses dois requisitos, a lei concede uma proteção especial ao bem tornando-o impenhorável porque a moradia é um direito fundamental para garantir a dignidade da pessoa humana. A Lei nº 8.009/90 instituiu o chamado “bem de família legal” ou “bem de família obrigatório” que protege o imóvel destinado à moradia da família. Isso significa dizer esse bem só poderá ser penhorado em situações excepcionais previstas de forma taxativa na lei como exceções. Em relação ao recente caso analisado pelo STJ, o julgamento se deu no Agravo de Instrumento em Recurso Especial nº 2.174.427 que analisou os seguintes fatos: um Pai doou o bem imóvel da família em favor do seu filho mesmo após ter sido citado numa Ação de Execução Fiscal proposta pela Fazenda Federal, na qual cobrava tributos em atraso e pedia a configuração de fraude à execução sobre a doação. Em primeira instância, o juiz afastou a existência de fraude, sob o fundamento de que o imóvel doado era um bem de família e não poderia ser penhorado, mesmo que o devedor tenha transferido o bem ao seu filho após a ciência da cobrança dos impostos. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o imóvel do Pai poderia sim ser penhorado porque existiu fraude na doação do bem a favor do filho. O TJ disse que, apesar da importância da proteção do bem de família contida na Lei n° 8.009/90, a impenhorabilidade do imóvel deveria ser afastada porque não se justifica tal proteção quando o doador procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a doação gratuita de seus bens para seu descendente, com objetivo de fraudar a execução. Em seguida, o caso foi para o STJ que julgou em definitivo o recurso em favor do Pai. O STJ entendeu que não gera prejuízo para o Fisco o afastamento da fraude à execução em relação a imóvel considerado bem de família, uma vez que esse bem é impenhorável por força de lei. Mesmo quando o devedor aliena o imóvel que lhe sirva de residência, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade porque imune aos efeitos da execução. Essa seria a melhor interpretação e inteligência do artigo 3º da Lei 8.009/90. E nos parece que o entendimento do STJ está correto porque, caso a doação feita ao filho fosse anulada, a conseqüência jurídica do caso seria justamente o retorno do bem ao patrimônio do Pai. E com o retorno do bem à esfera de patrimônio do devedor, o imóvel continuaria a ser protegido como um bem de família, não podendo ser penhorado pela fazenda pública para pagamento do débito executado na ação fiscal em razão da inadimplência dos impostos. Por isso, no caso concreto não teve qualquer relevância ou prejuízo para o Fisco a doação feita do Pai ao filho do imóvel protegido pela impenhorabilidade do bem de família.

USUFRUTO: DIREITO DE ACRESCER APÓS FALECIMENTO

Hoje, vamos voltar a falar sobre planejamento sucessório. Uma das ferramentas jurídicas muito utilizadas para realização do planejamento sucessório é o “direito real de usufruto” previsto no art. 1.390 do Código Civil, que é instituído em complemento com a doação ou compra e venda de bens. Num exemplo básico, os Pais transferem aos filhos a propriedade e titularidade de um determinado bem (que poderá ser um imóvel ou as cotas sociais de uma holding), e retém para si o “usufruto vitalício” desse bem, permitindo assim que esses Pais que deixam de ser donos possam usufruir desses bens em vida enquanto permanecerem vivos.

O patrimônio passará a ser de propriedade e titularidade dos filhos, mas ao mesmo tempo, os Pais terão o direito de usar esses bens forma vitalícia, permanecendo assim na posse, administração e recebimento dos aluguéis ou lucros provenientes auferidos sobre esse patrimônio. Esse tipo de planejamento é importante para que possamos garantir aos Pais o recebimento dos seus rendimentos e, com isso, tenham condições de prover o próprio sustento com dignidade e dentro do mesmo padrão de vida que tinham antes da doação. Mas aí eu te pergunto: o que acontece se o Pai ou a Mãe vier a falecer no futuro? O que acontece com o usufruto de morre? E a situação de quem sobrevive? Em primeiro lugar, tratando-se de usufruto estabelecido por ato inter vivos, os dispositivos que regem o instituto são aqueles previstos nos artigos 1.390 a 1.411 do Código Civil, não se aplicando o art. 1.946 que trata do usufruto constituído por testamento. Além disso, quando o usufruto sobre um bem é constituído em favor de mais de uma pessoa (chamamos de “usufruto simultâneo”). Em regra, com a morte de um dos usufrutuários, a lei define que o usufruto referente à sua parte será extinto em razão do falecimento, conforme determina o artigo 1.411 do Código Civil. A parte do Pai ou da Mãe de 50% quando algum deles morre é extinta e se cancela o usufruto dessa participação sobre o bem. Entretanto, quero te passar uma orientação jurídica importante: é possível estipular que a parte dos 50% do usufruto da pessoa falecida venha a ser transferida para o cônjuge ou companheiro sobrevivente. Com uma cláusula escrita prevendo o direito de acrescer, será possível manter os 100% do usufruto em favor do sobrevivente, a fim de garantir que todos os rendimentos sejam revertidos a seu favor enquanto permanecer vivo para manutenção do seu sustento e padrão de vida. A cláusula do direito de acrescer do usufruto trará uma enorme segurança jurídica e tranquilidade emocional para toda a família na realização do planejamento sucessório, especialmente aos próprios Pais que realizam o ato de doação e optam por abrir mão dos seus bens em vida em prol dos filhos.

PENHORA DE COTAS DE SOCIEDADE UNIPESSOAL E EIRELI

Hoje, vamos falar sobre as sociedades limitadas unipessoais, a fim de esclarecer as seguintes dúvidas muito comuns entre os empresários e credores: é possível penhora das cotas de uma sociedade limitada unipessoal? O devedor pode ter a sua participação societária penhorada na sociedade unipessoal? O que o credor pode fazer contra o sócio de uma sociedade unipessoal para receber o pagamento da sua dívida?

Para que possamos entender melhor as repercussões que envolvem o “sócio único” de uma sociedade limitada unipessoal, importante fazermos uma breve retrospectiva da evolução legislativa que tivemos nos últimos 2 (dois) anos dentro do universo das sociedades empresárias no nosso país. Inicialmente, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (a EIRELI) surgiu no ordenamento pátrio com o advento da Lei n. 12.441/2011, a qual incluiu os arts. 44, VI, e 980-A no Código Civil. Esses artigos possibilitaram a criação de uma empresa de sócio único, desde que cumpridas 3 (três) condições: 1) que a constituição da EIRELI deveria se dar por uma única pessoa natural proprietária da integralidade do capital social; 2) que o capital social deveria equivaler a, no mínimo, 100 (cem) vezes o salário mínimo vigente no País; e 3) que a pessoa física poderia ser titular de apenas uma única EIRELI. Posteriormente, o Governo Federal sancionou a Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874, de 20/9/2019, proveniente da conversão da MP n. 881, de 2019) que criou a sociedade limitada unipessoal (SLU), admitindo assim a constituição de uma sociedade limitada por apenas um único sócio. Essa possibilidade se deu por meio da inclusão dos parágrafos 1º e 2º no art. 1.052 do Código Civil que, porém, não exigiam para a constituição da sociedade limitada unipessoal o cumprimento daquelas 3 (três) condições que eram inerentes à constituição da EIRELI. Por isso, na prática a EIRELI logo caiu em desuso e, em seguida, o art. 41 da Lei do Ambiente de Negócios (Lei n. 14.195, de 26/8/2021, oriunda da conversão da MP n. 1.040, de 2021) veio a transformar todas as EIRELIs existentes em sociedades limitadas unipessoais, independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo por parte do seu titular. Além disso, a Lei n. 14.382, de 27/6/2022 (resultado da conversão da MP n. 1.085, de 2021) revogou expressamente os dispositivos legais regentes da EIRELI que eram os arts. 44, VI, e 980-A do Código Cível. Ou seja, a partir de 2022 passamos a ter no nosso ordenamento jurídico em definitivo somente a figura da sociedade limitada unipessoal, mas tudo o que vou esclarecer neste vídeo serve tanto para as antigas EIRELIs que foram convertidas em 2021 por força de lei, quanto para as sociedades limitadas que já foram constituídas originalmente dentro desse formato. Em ambos os casos, o capital social será detido por um único titular. Existirá a concentração da integralidade dos direitos e obrigações provenientes do capital social nas mãos de um único sócio. No caso da sociedade limitada unipessoal, não importa se o capital é formado por uma cota única ou por diversas cotas, desde que fiquem sob a titularidade de um único sócio. Sendo assim, será possível que o credor venha a penhorar, no todo ou em parte, a participação societária do devedor sócio de sociedade limitada unipessoal, independentemente do capital social estar dividido ou não em cotas. Para o pagamento da dívida, o credor particular do sócio poderá penhorar as cotas do titular e pedir a liquidação parcial ou total dessa participação dentro da sociedade, com a correspondente redução do capital social. O crédito do credor particular será satisfeito com o valor arrecadado proveniente da liquidação das cotas do titular único da sociedade unipessoal. A legislação vigente permite que isso seja feito com base nos arts. 1.026 e 1.031 do Código Civil, conjugados com os arts 835, IX, 861 e 865 do Código de Processo Civil. Inclusive, recentemente tivemos o julgamento do Recurso Especial nº 1.982.730 pelo STJ que validou a penhora da participação em sociedade limitada unipessoal para pagamento de credor particular. O STJ decidiu que é possível a penhora, no todo ou em parte, da participação societária do devedor em sociedade limitada unipessoal para o pagamento de seus credores particulares, desde que se observe o caráter subsidiário da medida.

POSSE DE IMÓVEL PODE SER PARTILHADA NO INVENTÁRIO?

Hoje quero te passar uma orientação jurídica muito importante e esclarecer uma dúvida muito comum aqui no Brasil sobre a partilha de bens imóveis dentro do procedimento de inventário. Todos nós sabemos que é muito comum aqui no país vermos situações em que as pessoas detêm somente a posse de um imóvel, sem a devida regularização e registro do título de propriedade perante o Cartório de Imóveis. Não é raro nos deparamos com famílias que ocupam imóveis rurais ou urbanos com base somente em documento particular de compra e venda ou mediante um contrato particular de cessão de uso e posse, no qual se adquire o direito de ocupação e posse do bem imóvel sem a lavratura de uma escritura pública e registro em perante os órgãos públicos. Ou seja, são contratos particulares e “de gaveta”, sem o devido registro público e publicidade. Com isso, diante do falecimento dos Pais surgem as seguintes dúvidas: será que eu posso partilhar os direitos de posse do imóvel? Esse direito pode entrar no inventário? O que deve ser feito pelos herdeiros? Realmente, essas são questões bem controversas no meio jurídico. Até então, tínhamos várias decisões judiciais conflitantes a respeito. Entretanto, recentemente tivemos uma decisão do Superior Tribunal de Justiça por meio do Recurso Especial nº 1.984.847 consolidou o entendimento de que é admissível, em ação de inventário, a partilha de direitos possessórios sobre bens imóveis alegadamente pertencentes à pessoa falecida e que não se encontram devidamente escriturados. O Tribunal decidiu que o acervo partilhável em razão do falecimento do autor da herança não é composto somente de propriedades formalmente constituídas. Existem bens e direitos com indiscutível expressão econômica que, por vícios de diferentes naturezas, não se encontram legalmente regularizados ou formalmente constituídos sob a titularidade do falecido. Nesse sentido a “posse” é um direito autônomo que tem valor econômico. É clara a autonomia existente entre o “direito de propriedade” e o “direito de posse”, bem como a expressão econômica do direito possessório. Por isso, deve ser permitida a partilha pelos herdeiros do “direito de posse”, sem que haja reflexo direto nas eventuais discussões relacionadas à propriedade formal do bem. No inventário, serão partilhados apenas os direitos possessórios que supostamente eram de titularidade do autor da herança, o que é distinto da partilha dos direitos de propriedade. A partilha dos direitos possessórios sobre imóveis tem fundamento no artigo 1.206 do Código Civil e no artigo 620, inciso IV, alínea “g”, do Código de Processo Civil, que são dispositivos que reconhecem a existência de direitos possessórios e, consequentemente, a possibilidade de eles serem objeto de partilha no inventário.

VIÚVO (A) TEM DIREITO DE MORAR GRATUITAMENTE NO IMÓVEL?

Você sabe o que significa o direito real de habitação? Para quem a lei confere esse direito sobre o imóvel? Em quais condições ele pode ser exercido? Bom, em primeiro lugar quero dizer que o “direito real de habitação” é o nome jurídico que conferimos ao direito previsto no artigo 1.831 do Código Civil e no artigo 7 da Lei 9.278/1996, que tem por objetivo assegurar moradia digna ao viúvo ou à viúva no local em que antes residia com sua família. A nossa legislação prevê que o cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar e sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança.

Esse direito possui como finalidade precípua garantir o direito à moradia ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, preservando o imóvel que era destinado à residência do casal. O objetivo da lei é garantir ao viúvo e à viúva o direito à moradia previsto no art. 6° da Constituição Federal de 1988, restringindo temporariamente os direitos de propriedade dos herdeiros que são originados pela transmissão da herança, tudo em prol da solidariedade familiar. Esse direito de habitação é um instituto intrinsecamente ligado à sucessão, razão pela qual os direitos de propriedade dos herdeiros que nascem com a transmissão da herança sofrem um abrandamento temporário, em prol da manutenção da posse exercida por um dos integrantes do casal. Inclusive, o direito real de habitação deve ser conferido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando na sucessão concorrem filhos exclusivos do cônjuge falecido. Em ambas as hipóteses, os herdeiros comuns ou exclusivos devem suportar a permanência do viúvo no imóvel. Além disso, o direito real de habitação é um instituto previsto em lei (ex legis) e por isso produz efeitos de forma independente da vontade das partes. Pela sua natureza, é totalmente desnecessária a inscrição desse direito no cartório de registro de imóveis, vez que a própria lei já resguarda esse direito de forma oponível aos herdeiros. Inclusive, o direito real de habitação pode ser exercido pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente desde a abertura da sucessão. A partir do falecimento de um dos cônjuges ou companheiro, quem sobrevive poderá permanecer no imóvel de forma vitalícia e personalíssima, o que significa dizer que ele pode permanecer no imóvel até a morte. O direito real de habitação tem caráter gratuito nos termos do art. 1.414 do Código Civil, razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração pelo uso do imóvel, nem a extinção do condomínio ou a alienação do bem enquanto perdurar esse direito. Por último, o direito de habitar o imóvel é garantido independentemente do viúvo ou viúva vir a possuir outros bens imóveis em seu patrimônio pessoal. Mesmo que o sobrevivente venha a possuir outros imóveis, ele conservará o seu direito se o imóvel tiver sido destinado à residência do casal e seja o único daquela natureza a inventariar. Portanto, essas são as principais características do direito real de habitação, garantido tanto nas hipóteses de casamento quanto nas uniões estáveis.

ATOS EMPRESARIAIS DEVEM SER REGISTRADOS EM ATÉ 30 DIAS

Todas as vezes que você fizer uma alteração no seu contrato social ou estatuto social, será de suma importância se atentar para o prazo de registro de 30 (trinta) dias perante os órgãos públicos. Você sabia que a lei prevê um prazo para que os documentos sejam registrados? Que todos os documentos empresariais devem ser levados a registro em até 30 dias? O que acontece se esse prazo não for observado pelo empresário? Em primeiro lugar importante mencionar o registro dos atos societário possui, em regra, a natureza jurídica declaratória. Isso significa dizer que os direitos e obrigações oriundos do ato são constituídos no momento da sua assinatura pelas Partes. É no exato momento da assinatura do documento escrito pelas Partes que nascem os direitos e as obrigações que são assumidas pelas Partes por meio das cláusulas, termos e condições descritas no documento formalizado. Por isso, a assinatura do documento já gera validade e efeitos jurídicos entre as Partes, sendo que o futuro registro perante os órgãos públicos terá efeitos meramente declaratórios entre as Partes. Nesse sentido, os arts. 1.150 e 1.151 do Código Civil e o art. 36 da Lei nº 8.934/1994 são claros ao dizer que os atos de alteração do contrato social da empresa produzem efeitos a partir da data em que foram praticados pelas Partes (são os efeitos intra-societários). Entretanto, para que os documentos também tenham efeitos jurídicos perante terceiros, será necessário que os atos empresariais sejam levados a registro dentro do prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data da sua assinatura. Se os documentos não forem registrados dentro do período de 30 dias, os efeitos jurídicos não retroagem à data de assinatura e passam a valer perante terceiros somente a partir do dia do registro. Com isso, é importante distinguir os efeitos jurídicos intra-societários daqueles efeitos jurídicos extra-societários. Os efeitos intra-societários vinculam os sócios e a própria sociedade a partir da ata de assinatura. Já os efeitos extra-societários vinculam terceiros de forma externa a depender da data em que forem registrados perante os órgãos públicos, já que necessitam do registro e publicidade. Inclusive, recentemente tivemos um julgamento importante do Superior Tribunal de Justiça que ressaltou as orientações jurídicas que acabei de te passar. Por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.864.618, o Tribunal não reconheceu a validade de um ato societário perante o Fisco porque esse ato não havia sido registrado dentro do prazo legal de 30 dias. Com isso, a sócia administradora da empresa continuou como responsável pela administração da empresa perante terceiros e veio a responder pelas dívidas da empresa junto ao Fisco dentro de uma cobrança fiscal. Portanto, fique atento e registre regulamente todos os seus atos societários! Fique de cima do seu contador ou advogado para o cumprimento do prazo legal de 30 (trinta) dias para registro do documentos perante os órgãos públicos, seja a Junta Comercial do seu estado ou o Cartório de Pessoas Jurídicas.