Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Proteção do patrimônio para os maiores de 70 anos

Hoje, vamos passar algumas orientações jurídicas importantes para quem pretende proteger ainda mais o seu patrimônio ao iniciar um novo relacionamento amoroso com idade acima de 70 anos. Como faço para proteger o patrimônio já conquistado de forma individual? É possível resguardar o patrimônio existente? E como individualizar os novos bens que serão adquiridos na constância do relacionamento?

Primeiramente cabe lembrar quem está obrigado a observar o regime de “separação obrigatória de bens” para o casamento ou união estável. Diferentemente do regime de “separação voluntária de bens” em que a escolha é espontânea e livre, aqui no regime de “separação obrigatória de bens” a lei impõe aos cônjuges a obrigação de adotar esse regime em 3 hipóteses: primeiro, quando os pretendentes são menores e precisam de autorização judicial para se casar; segundo, quando um dos interessados é divorciado ou viúvo e ainda não fez a partilha dos bens; terceiro, que é a situação mais comum, quando um dos cônjuges possui mais de 70 anos de idade. Nesse regime, os bens que cada cônjuge ou companheiro detém em seu nome ficam individualizados antes, durante e depois do relacionamento conforme dispõe os arts. 1.641 e 1.687 do Código Civil. Ocorre que, em razão da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal, os nossos Tribunais passaram a flexibilizar esse entendimento ao interpretar que os bens adquiridos durante o relacionamento por esforço comum do casal deveriam ser divididos mesmo no regime de separação de bens, ainda que esse bem estivesse em nome e propriedade somente de um deles. Isso porque, a Súmula nº 377 do STF diz expressamente que, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição”. A partir daí, surgiram então decisões judiciais que causaram incertezas sobre os bens adquiridos após o relacionamento, os bens chamados de “aquestos”, que passaram então a ser passíveis de discussão sobre a divisão futura em caso de término da relação por meio do divórcio do casamento ou dissolução da união estável. Bom, diante dessa situação de incerteza jurídica eu gostaria de te passar uma orientação que lhe trará bastante segurança daqui para frente. Essa orientação serve para você mesmo ou então para o seu Pai ou Avó caso estejam com idade próxima a 70 anos. Para que isso não existam dúvidas sobre a intenção na destinação dos bens em caso de futura separação, oriento que se faça um previamente um “pacto antenupcial” ou um “contrato de convivência” para que sejam definas as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial do casamento ou da união estável, em complemente ao regime legal. O início da vigência dessas regras será, para o casamento na data da celebração do matrimônio, e para a união estável no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável ou da lavratura da escritura pública com reconhecimento dessa união. Com o pacto antenupcial ou contrato de convivência prévio, será possível que os nubentes/companheiros estipularem o que melhor lhes interessar em relação aos bens futuros e no mesmo sentido da legislação. Dentro da sua autonomia privada, o casal poderá estipular cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF de forma a vir a impedir a comunhão dos bens aquestos, ou seja, deixando claro que tais bens serão totalmente individuais (ou seja, de propriedade de cada um deles), ainda que venham a ser adquiridos após o relacionamento a título oneroso. Essa separação segura e total vem de encontro com a intenção da lei e servirá justamente para conferir proteção ao patrimônio do idoso e resguardar os interesses futuros dos seus herdeiros, impedindo a divisão dos bens da família de forma indesejada. Inclusive, essa orientação jurídica foi o que resguardou os herdeiros de um idoso no julgamento do processo judicial RESP nº 1.922.347 no STJ, movido por uma ex-companheira que pretendia a repartição dos seus bens após o seu falecimento.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Cláusula de Call Option

Hoje, vamos conversar sobre um instrumento jurídico que pode ser muito útil para a realização do planejamento sucessório da sua família. Trata-se da chamada “cláusula de call option”, ou também chamada de “cláusula de opção de compra”. Você já ouviu falar nessa cláusula? Sabe o que ela significa? Quais são os efeitos jurídicos que podem gerar sobre a destinação dos bens dentro da família?

A disputa por interesses e posições dentro de uma companhia gera uma situação muito ruim para todas as partes envolvidas por 2 (duas) grandes razões.

Primeiro, o grande constrangimento no âmbito pessoal porque os sócios geralmente se veem na situação de continuar convivendo dentro da sociedade até que o conflito seja resolvido em definitivo.

E segundo, no universo da própria empresa que pode vir a ter o seu desempenho e a sua estratégia drasticamente afetados pelas brigas entre os sócios, além da exposição da própria empresa no mercado que a existência de uma ação judicial pode vir a gerar a todos. Por isso, no direito societário é muito comum estipularmos nos atos constitutivos das empresas ou em documentos paralelos, especialmente no Acordo de Sócios, algumas cláusulas que têm por objetivo solucionar eventuais conflitos que possam surgir no futuro entre os sócios. Essas cláusulas visam resolver impasses entre os sócios de maneira mais rápida, econômica e de maneira privada, já que os conflitos societários geralmente levam anos para serem resolvidos na Justiça. Uma dessas cláusulas do universo societário é a “cláusula de call option”, dentre várias outras que existem tais como put option, shotgun, buy or sell, tag along, drag along. A “cláusula de call option” concede ao outro sócio ou à alguma outra pessoa específica (que pode ser terceira) uma opção futura de compra da participação societária dentro de condições comerciais já determinadas. É o direito concedido por um sócio a uma outra pessoa de poder no futuro comprar cotas ou ações em determinadas circunstâncias de tempo, quantidade e valor. Dentro a realização de um planejamento sucessório, nós importamos essa cláusula do direito societário e trazermos para o universo da família empresária. É comum utilizarmos a “cláusula de call option” como ferramenta jurídica dentro da sucessão patrimonial de uma família para assegurar que esse patrimônio permaneça dentro da família com o passar do tempo. Vamos dar um exemplo: um Pai ou uma Mãe doa parte ou todo o seu patrimônio em vida para os seus filhos, incluindo as cotas ou ações de uma empresa. Ao longo do tempo, esse Pai ou Mãe por algum motivo precisa ter de volta parte ou todo esse patrimônio societário. Com a utilização da cláusula de call option, isso se torna possível porque o Pai ou a Mãe terá a opção de comprar, a qualquer momento, as cotas ou ações doadas ao filho dentro das condições comerciais já estabelecidas. Isso se justifica caso os Pais venham a necessitar no futuro de retomar esse patrimônio para, por exemplo, vir a redividi-lo com um outro filho caso venham a ter um novo filho; ou para vender esse bem a terceiros e levantar um dinheiro para pagamento de despesas com saúde; ou se o filho eventualmente não tiver gerindo bem o patrimônio com risco de dilapidação e perda; ou ainda, se o filho estiver causando problemas internamente na própria gestão da empresa como sócio. Enfim, não importa o motivo ou justificativa que pode surgir para os Pais, mas sim a segurança jurídica de se ter uma cláusula que possibilite, dentro do planejamento sucessório e patrimonial, de se ter no futuro, a possibilidade jurídica de se reverter a doação por uma via indireta.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Venda de bens de Pais para filhos: cuidado!

Venda de bens pais para filhos, é permitido? Se a família tiver outros filhos e a venda for feita apenas para um dos filhos, pode? Todos devem concordar com essa venda e as condições do negócio? Como fazer esse negócio com segurança?

A legislação brasileira permite que um Pai ou uma Mãe faça a venda de um ou mais bens do seu patrimônio para os seus filhos. Mesmo que a família seja composta por vários filhos, é possível um ascendente (pai ou mãe) firmar um negócio jurídico de compra e venda com apenas um dos filhos ou mais sobre a venda de algum bem do seu patrimônio. O nosso Código Civil é claro ao permitir a realização dessa compra e venda e reconhecer a legalidade dessa operação com base nos artigos 104 e 496. Entretanto, é preciso tomar alguns cuidados quanto às formalidades necessárias realização do negócio. Apesar desse tipo de negócio ser permitido entre Pais e Filhos, a legislação impõe a observância de algumas regras e condições específicas para que seja considerado válido e não possa ser anulado! O primeiro cuidado que gostaria de te orientar é quanto ao consentimento necessário dos demais interessados sobre a realização do negócio. Para esse tipo de venda seja feito de forma segura, recomendamos primeiramente pegar a anuência expressa de todos os filhos (que são os irmãos do Comprador) sobre ato de compra e venda feito pelos Pais. Todos os filhos devem manifestar concordância com a realização da venda pretendida pelos Pais e quanto ao valor atribuído ao bem vendido por meio daquele negócio. Esse risco existe porque um dos filhos pode se sentir lesado no seu direito sobre a parte legítima da herança caso a venda do bem seja feita por um valor muito abaixo do valor de mercado do bem. Em alguns casos, essa operação poderia até ser interpretada como uma efetiva doação disfarçada de compra e venda. Um segundo cuidado importante é que, para além da anuência dos filhos, recomendamos também pegar a anuência do outro cônjuge ou companheiro do Pai ou da Mãe. Consideramos importante pegar a concordância expressa também da esposa ou marido, se eles forem casados, ou do seu eventual companheiro ou companheira, se eles tiverem uma união estável, independentemente do regime patrimonial de bens que venha a vigorar dentro do relacionamento amoroso. Entendemos que esse cuidado é necessário porque o outro cônjuge ou companheiro de certa forma detém interesse sobre o bem vendido, já que pode ser meeiro ou herdeiro desse bem, a depender do seu regime patrimonial e de quando esse bem foi adquirido. O cônjuge ou companheiro pode vir a se sentir lesado sobre a meação ou sobre a parte legítima da herança caso a venda do bem seja realizada por um valor muito abaixo do compatível de mercado. A única hipótese jurídica em que poderíamos cogitar a ausência total de interesse do cônjuge ou companheiro sobre a venda do bem de Pai para Filho seria mesmo na hipótese de estarem casados em regime de separação obrigatória de bens pela imposição do art. 1.641 do Código Civil, e ainda assim se esse bem não tiver sido adquirido à título oneroso por ambos ou pelo esforço comum de ambos na constância do relacionamento já que temos a Súmula 337 do Supremo Tribunal Federal que abre exceções para a comunicabilidade de bens mesmo nesse tipo de regime patrimonial. Caso todos esses cuidados que mencionei não sejam tomados pela família, o negócio de compra e venda poderá ser anulado por qualquer interessado durante os próximos 2 anos mediante a propositura de uma ação judicial.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Cláusula de Reversão

Vamos conversar sobre uma ferramenta de planejamento sucessório que consideramos muito importante e que a sua aplicação pode ser necessária no planejamento da sua família. Trata-se da chamada “cláusula de reversão”. Você já ouviu falar nessa cláusula? Sabe o que ela significa? Quais são os efeitos jurídicos que podem gerar sobre a destinação dos bens dentro da família?

A chamada de “Cláusula de Reversão” é uma ferramenta de planejamento sucessório que está disposta no artigo 547 do Código Civil e pode ser utilizada na doação de bens em vida. Essa cláusula estipula que, se eventualmente o donatário (que é quem recebe o bem, geralmente um filho ou neto) vier a falecer primeiro que o doador (que é que transfere o bem, normalmente o Pai ou Avó) estará estipulado entre as Partes que os bens doados (que poderão ser um bem móvel, imóvel, cotas ou ações) voltarão a fazer parte do patrimônio do doador. Isso significa dizer que os bens doados ao um descendente serão revertidos a favor dos ascendentes caso esse filho ou neto venha a falecer primeiro que o seu Pai ou Avó. Vamos ao exemplo: você do um bem a favor do seu filho, mas esse seu filho vem a falecer primeiro do que você. Na ordem natural das coisas, o bem doado seguiria a destinação prevista em lei para a sucessão dos bens. O bem entrará no inventário do filho e será partilhado entre os seus herdeiros dentro da ordem de vocação hereditária legal que determina que o bem seja transmitido para: primeiro, a herança vai para os filhos e esposa ou companheira, sendo garantido no mínimo 25% dos bens à esposa ou companheira; segundo, se o falecido não tiver descendentes, o bem vai para os Pais e à esposa ou companheira, em igual percentual; terceiro, se o falecido não tiver nem filhos ou Pais vivos, o bem doado será todo destinado (100%) exclusivamente para esposa ou companheira; e quarto, se não tiver nem filhos, Pais ou esposa ou companheira, aí o bem doado será herdado pelos colaterais que são os irmãos. Bom, essa é a ordem natural da sucessão hereditária. Mas com a Cláusula de Reversão isso não acontece e o bem doado será totalmente revertido para o doador e voltará a integrar ao seu patrimônio. Com a reversão o bem doado não ficará sujeito ao inventário do donatário e nem à transmissão para pessoas indesejadas. Na prática, você como doador ficará seguro e tranquilo de que o patrimônio que foi doado irá beneficiar somente quem você desejou contemplar, bloqueando assim que os bens doados sejam destinados a terceiros que não tem nada a ver com o contrato de doação e que você não tinha inicialmente a intenção de favorecer com aquele ato gratuito. Isso impedirá que o bem doado seja destinado como herança para terceiros, sejam eles noras, genros, parentes ou não. Com a cláusula de reversão você ficará seguro e continuará no controle do destino do seu patrimônio doado porque o bem retorna para você e, a partir daí, se desejar você pode fazer uma nova doação para quem quer que seja, incluindo os seus netos na cadeia sucessória, assegurando com isso o que chamamos no direito de uma efetiva “doação verticalizada de bens”.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Testamento por vídeo (audiovisual): é válido?

Testamento audiovisual: algumas pessoas têm me perguntado como funciona essa modalidade de testamento e se existe ou não segurança jurídica para se adotar atualmente esse tipo de testamento. Então vamos responder as seguintes dúvidas: o que é um testamento audiovisual? Quais são as formalidades para o vídeo? Essa gravação é segura e reconhecido por lei?

Antes de adentrar no nosso tema de hoje, gostaria de recapitular alguns conceitos importantes sobre o instituto do testamento para melhor entendimento. O testamento é uma declaração de vontade manifestada por alguém com capacidade jurídica (maior de idade e capaz), com a finalidade de efeitos sobre o seu patrimônio após a sua morte. Por isso dizemos que é um ato jurídico de “última vontade”, já que os seus efeitos terão repercussão após o seu falecimento. O nosso Código Civil em seus artigos 1.862 e seguintes estipula 3 (três) modalidades de testamento diferentes: 1) primeiro tipo, o “testamento público”, que é aquele em que o testador se dirige até um Cartório de Notas e declara a sua vontade perante o tabelião que, com fé pública, certifica a sua livre vontade, juntamente com 2 testemunhas que acompanham confecção e leitura; 2) segundo tipo, é o “testamento particular” que é feito pela próprio testador por meio de uma declaração manuscrita (de próprio punho) ou no formato mecânico (que pode ser datilografado ou digitado), sendo que em ambos os casos o testamento deve ser ao final assinado pelo declarante, juntamente com 3 (três) testemunhas que atestam a sua leitura; 3) terceiro tipo é o testamento cerrado”, que leva esse nome porque é feito dentro do formato particular mas depois é levado ao Cartório para que o tabelião possa confirmar a sua livre vontade na presença de 2 (duas) testemunhas. Após essa leitura, o testamento é lacrado e guardado no Cartório até o momento da sua abertura que se dará após falecimento do testador e quando então é revelado o seu conteúdo. Esses são os três tipos de testamento admitidos pela nossa legislação. Como você pode ver, o testamento audiovisual ainda não está previsto de forma expressa no Código Civil, mas existe um Projeto de Lei nº 3.799/19 de autoria da Senadora Soraya Thronicke que tramita no Congresso Nacional e pretende fazer a introdução desse tipo de testamento no nosso direito. O testamento por vídeo nada mais é do que uma modalidade de testamento particular, no qual o meio externo utilizado é o recurso audiovisual gravável. Em vez de que se utilizar o formato tradicional manuscrito (papel e caneta) ou formato mecânico (máquina de escrever ou computador), o testador utiliza o recurso de vídeo (imagem e som) que pode ser gravado em qualquer meio (câmeras, telefone, aplicativo, sites, etc) com o objetivo de que possa ser no futuro reproduzido e validado pela Justiça como ato de última vontade. Inclusive, já podemos observar uma evolução nos entendimentos dos Tribunais que, em decisões mais recentes, admitiram e validaram esse formato de testamento, uma vez que a vontade livre do testador foi realmente demonstrada pelo recurso audiovisual apesar de ser um meio de externalização de vontade ainda atípico não previsto em lei. Entretanto, por todas essas questões que ainda são controversas no direito é preciso tomar cuidado! Caso esteja pensando em utilizar o meio audiovisual para a confecção do seu testamento particular, sugiro que procure um profissional da área para te orientar sobre as formalidades necessárias conforme o artigo 1.876 do Código Civil, e, se possível, deixe também uma declaração por escrito com essas mesmas formalidades para respaldar a sua vontade manifestada na gravação.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Responsabilidade do ex-sócio nas LTDAS

Responsabilidade do ex-sócio: Com frequência, participamos de operações de compra e venda de empresas onde o sócio que sai da sociedade nos pergunta: eu respondo pelas dívidas da empresa após a minha saída? Eu já ouvi falar que eu respondo por 2 anos após a minha saída? É verdade?

Primeiro esclarecimento importante é que vamos tratar neste vídeo das responsabilidades do ex-sócio sobre as dívidas civis, regulamentadas pelo Código Civil. As dívidas civis são aquelas advindas de empréstimos, financiamentos, aluguéis, bancos e fornecedores de produtos ou serviços. Portanto, não confundir essas dívidas civis com as dívidas trabalhistas, que por sua vez seguem outras regras que estão previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e legislação trabalhista. Importante não confundir essas responsabilidades! Sobre as dividas civis, podemos dizer que o artigo 1.003  do Código Civil estabelece uma norma geral que diz que o sócio que saiu da empresa continua responsável pelas dívidas civis da contraídas pela sociedade até 2 (dois) depois da sua saída. Em tese, dentro de 2 (dois) anos o sócio poderá ser cobrado por credores pelas dívidas que a empresa tinha na época quando ele era sócio. Entretanto, a literalidade da lei deve ser interpretada e analisada com cuidado, em conjunto com outros artigos do Código Civil. É preciso fazer uma distinção entre 2 (dois) tipos de sociedades para verificarmos o alcance dessa norma. Primeiro, se estivermos falando das chamadas “sociedades simples” que são as sociedades de profissionais liberais (sociedades de advogados, engenheiros, contadores, artistas, enfim, que estão ligadas a atividades intelectuais, artísticas ou literárias), devemos interpretar o Código Civil com a aplicação dos arts. 1.003 e 1.032. Nessas sociedades, o sócio que saiu continua como responsável solidário ou subsidiário das obrigações da sociedade porque ele já assumiu essa obrigação nos exatos termos do Contrato Social. O sócio já responde pelas dívidas da sociedade de forma pessoal e ilimitada dentro das sociedades simples, podendo ser cobrado de forma solidária ou subsidiária em relação a sociedade conforme o Contrato Social. Por isso, quando ele se retira da sociedade ele continua vinculado por 2 (dois) anos como responsável, uma vez que se obrigou junto aos credores que na época contrataram com a sociedade. Entretanto, outra situação completamente diferente é a responsabilidade do sócio nas sociedades limitadas. Nas empresas limitadas, o Código Civil deve ser interpretado com outro raciocínio com base nos artigos 1.052 e 1.057. Nessas sociedades, a regra geral é a limitação da responsabilidade pessoal dos sócios, o que significa dizer que os sócios não respondem pelas dívidas da empresa. As responsabilidades dos sócios se restringem ao compromisso de integralizar o capital social da empresa, com a obrigação de pagar pela aquisição das cotas sociais por meio de bens ou dinheiro. Uma vez feito isso, o sócio não tem mais qualquer responsabilidade sobre as dívidas da empresa e os riscos do negócio. Nem os sócios que estão dentro e muito menos os sócios que se retiraram respondem pelas dívidas da pessoa jurídica. De fato, o que pode acontecer é o sócio atual, e também o ex-sócio durante 2 anos, serem cobrados pelo cumprimento das suas próprias obrigações, da seguinte forma:

1) Primeiro, integralizar as suas cotas sociais;

2) Segundo, responder pela avaliação dos bens dados na integralização;

3) Terceiro, responder pela eventual evicção desses bens;

4) Quarto, garantir a solvência dos créditos quando cedidos à sociedade na integralização.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Valorização do imóvel: devo dividir no divórcio?

Em vida, o Pai fez a doação direta de um imóvel em vida para sua filha casada que depois se divorciou. No momento do divórcio, o marido requereu a metade da valorização que imóvel tinha sofrido na constância do casamento. Será que essa valorização é devida? O marido tem razão?

O pai resolveu em vida fazer a doação de um bem imóvel em favor de uma filha que era casada no regime de comunhão parcial de bens. O Pai, que era empresário e esclarecido, tomou o cuidado de fazer essa doação com cláusula de incomunicabilidade para que não existisse qualquer dúvida sobre a sua intenção de doar o bem exclusivamente em favor da filha, de maneira personalíssima. No entanto, passados 13 (treze) anos de relacionamento a filha veio a se divorciar do marido. E aí, quando menos se espera, não é que o marido entrou na justiça para requerer a metade da valorização imobiliária de mercado que o apartamento sofreu durante esses 13 (treze) anos de casamento!? Nessa ação, o marido alegou e comprovou que o apartamento na época da doação feita pelo Pai valia exatos R$500.000,00 (quinhentos mil reais), valor esse que constou na própria escritura pública de doação e sobre o qual foi recolhido o imposto devido nessa operação de doação que é o chamado de ITCMD. Segundo expôs, a questão é que hoje esse mesmo imóvel vale em torno de R$1.500.000,00 (um milhão e meio de reais) e, por isso, ele (ex-marido) teria direito à metade da diferença auferida pela esposa no valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais), que seria correspondente a valorização do bem imóvel ocorrida na constância do casamento. E agora? Eu te pergunto: será que o marido tem mesmo o direito de requerer a metade dessa valorização imobiliária ocorrida na constância do casamento? O que você acha? Bom, do ponto de vista jurídico a resposta é não! O marido não tem direito a essa valorização imobiliária por 5 (cinco) motivos dispostos de maneira bem clara na nossa legislação. Primeiro, o regime de casamento escolhido entre o casal é o de comunhão parcial de bens, o que exclui de plano o direito do marido sobre o imóvel recebido por doação pela esposa (isto é, a título gratuito) mesmo que seja na constância do casamento, nos termos do artigo 1.659, I do Código Civil.

Segundo, o bem foi doado com a cláusula restritiva de incomunicabilidade, o que deixa mais claro ainda que a doação feita pelo Pai foi personalíssima, ou seja, foi realizada com a intenção de comtemplar somente a filha, sem incluir o marido ou beneficiar o casal, conforme art. 1.660, III do Código Civil.

Terceiro, a valorização imobiliária de mercado que o bem imóvel sofreu durante 13 (treze) anos é um fato totalmente alheio à vontade e ao esforço comum do casal, não podendo ser considerado como um ato oneroso praticado pelo casal.

Quarto, essa valorização não pode ser considerada como um fruto do bem individual da esposa, já que esse valor é intrínseco e indivisível do próprio bem imóvel, não sendo aplicável o art. 1.660, V., do Código Civil.

E por último, o quinto motivo é que a valorização imobiliária não se confunde com um ganho financeiro gerado por um fato eventual ocorrido com o casal na constância do casamento e por isso deva ser dividido na partilha de bens, como por exemplo um deles ganhar na loteria sozinho conforme dispõe o art. 1.660, II, do Código Civil.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – 5 vantagens de formalizar a União Estável

Hoje, vamos conversar sobre uma dúvida muito comum entre os casais que não desejam se casar, mas ainda assim ter um relacionamento sério, duradouro e comprometido. Como faço para demonstrar que estou vivendo uma união estável? Será que devo me preocupar em formalizar por escrito essa relação? Se for mesmo importante deixar tudo no papel, devo fazer por meio de Contrato particular ou Escritura Pública?

Primeiramente gostaria de relembrar o conceito de “união estável” e quais são os requisitos previstos na nossa legislação para que um relacionamento amoroso tenha proteção legal, com a previsão de direitos e obrigações entre os companheiros. Vamos recapitular rapidamente essas informações que são importantes para o melhor entendimento deste vídeo. Com base nas Leis 8.971/94, 9.278/96 e mais recentemente diante dos artigos 1.723 e seguintes do nosso Código Civil, podemos considerar que a “união estável” é uma relação afetiva de convivência pública, contínua e que é estabelecida entre os companheiros com objetivo de constituição de família. Não se trata de um namoro, de algo passageiro, de algo puramente por diversão, ou ainda, com somente a intenção sexual. Para que um relacionamento seja considerado como “união estável”, é necessário a presença de 3 (três) requisitos importantes: primeiro ponto, a união deve ser pública. Isso significa dizer que deve ser reconhecida entre as pessoas do convívio do casal e do círculo de amizade. Essas pessoas conseguem enxergar nos companheiros a figura de um casal que mantém, de forma inequívoca, um relacionamento afetivo. O segundo requisito é a estabilidade do relacionamento. Não existe a necessidade de um prazo mínimo, mas sim a intenção dos envolvidos de que seja uma relação duradoura, por isso considerada estável. O terceiro ponto é a vontade de se constituir uma unidade familiar. Não se trata necessariamente de se ter filhos (existem várias famílias sem filhos) ou de morar juntos (existem casais que moram em casas separadas), mas sim da vontade de se construir uma vida em comum. Ou seja, nesses relacionamentos verificamos a intenção dos companheiros de estar unidos, de compartilhar tempo, de trocar afetos, de ter experiências juntos e também de dividir (por em comum união) coisas e bens. Esses são os 3 (três) requisitos que configuram uma relação como “união estável”. Na verdade, podemos dizer que a única diferença da união estável em relação ao casamento é justamente que, do ponto de vista jurídico e formal, os companheiros na união estável não se submetem aos ritos e proclamas do compromisso público perante o Estado igual a nossa legislação exige para o casamento. E é justamente nesse ponto, na formalidade, que muita gente fica intrigada e se pergunta: mas não seria melhor formalizar essa união estável igual ao casamento? Deixar essa união registrada por escrito por meio de um Contrato ou Escritura Pública? Bom, pela minha experiência de escritório como advogado de famílias e empresas familiares eu posso dizer que sim, é melhor sim formalizar essa união estável por escrito. Mesmo que a lei não exija essa formalidade por escrito para seu reconhecimento e mesmo que seja da natureza da união estável o seu caráter informal, eu recomendo sempre aos companheiros formalizar a união por meio de Escritura Pública a ser lavrada em cartório de notas (e não um mero contrato particular) por 5 (cinco) razões práticas:

1) primeiro, a escritura feita em Cartório é dotada de fé pública. O notário ou tabelião (que é um representante do Estado) atesta no documento a identidade e reconhecimento das partes, inexistindo dúvidas sobre o comparecimento e identificação dos envolvidos;

2) segundo, o notário atesta que as partes compareceram de livre e espontânea vontade, sem qualquer vício de consentimento a manifestação de vontade sobre as cláusulas, termos e condições da escritura. Essas duas primeiras razões geram em conjunto uma segurança jurídica enorme porque dificilmente uma escritura pública é anulada posteriormente na Justiça por vício de vontade. Em comparação com o contrato particular, essa é uma grande diferença ainda que se tenha o cuidado de reconhecer firmas e colher assinaturas de testemunhas. Isso nunca será equiparável à fé pública do tabelião;

3) terceiro ponto, na escritura é possível se identificar e preservar os bens existentes que pertencem a cada um dos companheiro como bens individuais e também escolher, dali para frente, o regime patrimonial do relacionamento que será vigente no relacionamento, podendo ser adotado quaisquer dos regimes utilizados para o casamento com efeitos futuros;

4) quarta razão, será possível as partes reconhecerem a data de início da relação, eliminando as eventuais dificuldades de provas fáticas a esse respeito;

5) quinto motivo, a escritura tem a publicidade presumida perante terceiros, valendo assim como prova junto aos órgãos públicos para fins tributários, previdenciários, plano de saúde, clubes e associações, e ainda, com aspectos sucessórios em caso de falecimento de um dos companheiros.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Doações do exterior: devo pagar ITCMD?

Como fica a questão tributária se eu receber uma doação vinda do exterior ou de algum bem localizado no exterior? Devo pagar ITCMD? Existe a incidência de algum tributo?

 

Para responder essas dúvidas tributárias, devemos recorrer ao julgamento recente do Supremo Tribunal Federal que, no ano passado, julgou o Tema n° 825 que foi analisado por intermédio do Recurso Extraordinário n° 851.108/SP. No julgamento daquele caso dentro da sistemática da repercussão geral (o que significa que vale para todos os casos no país, e não somente para o processo em julgamento), o STF entendeu por bem fixar a seguinte tese: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, §1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. Em outras palavras, os ministros do Supremo, em sua maioria, concluíram pela impossibilidade dos Estados e do Distrito Federal efetuarem a cobrança do ITCMD através de legislação estadual, sem que tivesse uma prévia lei complementar regulamentasse primeiro essa matéria. O STF apontou que os Estados não têm competência legislativa para instituir o tributo, visto que não dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal. Com esse entendimento jurídico, pelo menos por ora e enquanto não tivermos uma lei complementar emanada do Congresso Nacional regulamentando a matéria, os Estados e o Distrito Federal não pode cobrar ITCMD sobre as seguintes hipóteses contidas na Constituição Federal:

1) primeiro, nos casos de doação quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior e doar algum bem ou direito a alguém dentro do país;

2) segundo, nos casos de herança, quando o falecido era residente ou domiciliado no exterior ou se o falecido teve o seu inventário processado no exterior.

Em todos esses casos, por ora a cobrança de ITCMD é ilegal dentro do país por qualquer dos Estados da federação. Por último, importante mencionar que o STF entendeu também ser cabível a aplicação de modulação de efeitos para esse julgamento. Assim, o Tribunal fixou que os efeitos desse julgamento somente seriam válidos para o futuro, ou seja, com aplicabilidade para os novos casos de doação ou herança a partir da publicação do acórdão (ocorrida em 20 de abril de 2021), sendo certo que somente dali para frente não seria mais possível a cobrança do ITCMD pelos Estados e Distrito Federal. Em contrapartida, para os casos passados o STF definiu que aquele contribuinte que já pagou o tributo antes do julgamento do STF não terá o direito de reaver esse valor para não onerar os cofres públicos e evitar impactos orçamentários. Assim, somente aqueles contribuintes que propuseram ação judicial para discutir a cobrança do tributo antes do julgamento do STF e ainda não o pagaram o tributo terão o direito de mais não pagar o ITCMD ao Estado porque tiveram o seu direito resguardado pela existência da ação judicial. Enfim, o STF decidiu com argumentos jurídicos mas na modulação dos efeitos esse julgamento foi bem político, prejudicando os direitos dos contribuintes recuperar os valores já pagos e assim veio a beneficiar de sobremaneira os Estados e Distrito Federal.

Governança Jurídica por Matheus Bonaccorsi – Holdings imobiliárias: não pague ITBI!

Hoje, vamos tratar de um assunto bastante delicado e que tem gerado várias dúvidas após o julgamento do STF sobre o tema 796 na sistemática recursal da repercussão geral. Devo pagar ITBI na transferência de bens para uma holding imobiliária? Se a holding tiver atividade de compra e venda, locação ou arrendamento de imóveis, índice ITBI na realização de capital social?

No final do ano de 2020 tivemos um julgamento importante do Supremo Tribunal Federal, o nosso STF, no qual manifestou sobre o alcance da imunidade tributária do ITBI e as possibilidade de cobranças desse tributo por parte das Prefeituras Municipais. O ITBI é o nosso Imposto de Transmissão de Bens Imóveis cobrado pelas Prefeituras sobre a transferência de bens imóveis que ocorrem por ato oneroso entre pessoas vivas, ou seja, por situações que envolvam a compra e venda de imóveis, cessão de direitos reais ou integralização de capital em pessoa jurídica (que é ato equiparado à alienação de bens). Nesse julgamento, o STF por meio do Recurso Extraordinário nº 796.376 definiu que a nossa Constituição Federal promulgada no ano de 1988 previu em seu art. 156, parágrafo 2, que a operação de integralização de bens imóveis no capital social de empresas está imune da cobrança do ITBI. Segundo o STF, a realização de capital de uma empresa mediante a transferência de bens imóveis não sofrerá a incidência do ITBI até o limite do valor das cotas ou ações subscritas para formação ou aumento desse capital. Assim, ficou claro que essa operação está imune ao ITBI até o valor do capital social subscrito pelos sócios com os bens imóveis, não sendo assim necessário pagar ITBI sobre a transferências dos bens em favor da empresa. Veja, eu gostaria de chamar a sua atenção para esse ponto que é importante e precisamos ter total atenção! Como eu disse, essa imunidade existe mas não é plena, tem limite de valor que será o capital social realizado na integralização dos bens imóveis! Para além disso, o julgamento do STF trouxe uma novidade boa para as holdings familiares. Nessa mesma decisão, o STF deixou claro que a imunidade é incondicionada em relação as holdings que têm atividade imobiliária. Mesmo que a holding exerça as atividades de compra e venda de imóveis, locação de bens ou arrendamento imobiliário, será possível se valer da imunidade do ITBI na transferência de bens imóveis dos sócios para a empresa. No caso da realização de capital social, a Constituição Federal quis imunizar todas as operações de transferência de bens imóveis, sem exceção ou condição, pouco importante o tipo de atividade comercial exercida pela empresa. Com isso, não será mais necessário se apurar se a atividade da holding é ou não imobiliária, assim como não será mais preciso verificar se essa atividade representa ou não uma atividade preponderante com o peso de mais de 50% da receita anual auferida pela sociedade, conforme determina o artigo 37 do Código Tributário Nacional. Portanto, essa é a parte boa do julgamento que é aplicável às holdings familiares que exercem atividades imobiliárias. Mas fique atento! Como esse entendimento é recente, existem Prefeituras que continuam cobrando o valor de IBTI sobre as operações. Esse valor varia normalmente entre 2% (dois por cento) a 3% (três por cento) sobre o valor total dos imóveis envolvidos na operação, a depender do Município, que será calculado sobre o valor de venda de cada bem com base no valor de mercado devidamente atualizado. Com certeza será uma cobrança feita pela Prefeitura num valor muito alto! Caso isso aconteça, será necessário você ir contra essa cobrança por meio da propositura de uma ação na justiça, a fim de declarar que a cobrança da Prefeitura Municipal é indevida com base na nossa Constituição Federal.