EMPRESÁRIO PRECISA DO CÔNJUGE PARA SER FIADOR DA EMPRESA – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Quando o empresário ou sócio deseja ser fiador da sua própria empresa para viabilizar a realização de algum negócio jurídica, será que ele pode ser fiador da própria empresa? Ele precisa da autorização do cônjuge para que essa fiança seja válida? O que acontece se o empresário não pegar a concordância prévia do cônjuge?

Para facilitar o entendimento gostaria de ilustrar o presente caso com um exemplo. Imagine a seguinte situação: o empresário deseja alugar um imóvel em nome da sua empresa e do CNPJ dessa pessoa jurídica. Como de praxe, o proprietário do imóvel pede uma garantia para realizar essa locação e o empresário decide ser fiador da empresa no contrato de locação. Com isso, o empresário assina o contrato de locação e, na condição de pessoa física, presta a sua fiança sozinho, sem a anuência da sua esposa já que entende que pode praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho da sua profissão de empresário, conforme dispõe o artigo 1.642, I, do Código Civil. Posteriormente, o locador executa a empresa e o empresário por falta de pagamento e consegue penhorar os bens do casal, incluindo o dinheiro em conta corrente da sua esposa que sequer tinha conhecimento daquela fiança. Eu te pergunto: o proprietário do imóvel está certo? Ele pode penhorar os bens do casal para pagamento da dívida? Essa penhora pode incidir sobre o dinheiro do outro cônjuge? Realmente é uma situação complicada em que os dois lados têm suas razões, não acha? Pois bem, esse foi exatamente o caso que foi parar na Justiça por meio do Recurso Especial nº 1.525.638 e que foi julgado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. O STJ pacificou o entendimento de será sempre necessária a exigência de outorga conjugal (ou seja, autorização do outro cônjuge) para um deles prestar fiança em algum negócio jurídico. Tanto faz se o fiador irá prestar a fiança na condição de comerciante, empresário ou sócio. Em qualquer caso, existirá sempre a necessidade do consentimento do outro cônjuge para a validade da fiança como forma de garantia. Isso porque o nosso Código Civil no art. 1.642, IV, possibilita ao cônjuge pleitear a nulidade da fiança prestada sem a anuência prévia, em consonância com o que é dito no art. 1.647, III, que exige sim a autorização conjugal para prestar fiança em todos os regimes de casamento, exceto no regime de separação absoluta de bens. Diante disso, nume interpretação sistemática do nosso Código Civil se percebe que a legislação tem por finalidade assegurar a proteção da família e a segurança econômica da entidade familiar. Com isso, a fiança prestada sem outorga conjugal deve ser considerada nula tal qual previsto na Súmula n. 332 do STJ, mesmo quando vier a ser prestada por comerciante, empresário ou sócio em favor da sua própria empresa. Portanto, essa é a lição jurídica que podemos extrair do vídeo de hoje: fique atento ao realizar um negócio que envolva uma fiança. Se a pessoa for casada, será sempre necessário o seu conhecimento e anuência para celebrar de forma válida o contrato e prestar essa garantia.

TESTAMENTO OU DOAÇÃO: QUAL ESCOLHER? – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Hoje vamos fazer um comparativo entre as ferramentas jurídicas do Testamento e da Doação, listando as suas principais vantagens e utilidades. Você sabe para que serve um Testamento? Qual a finalidade da doação em vida? Quando eu devo utilizar uma ou a outra ferramenta dentro do planejamento sucessório ou proteção patrimonial?

O meu objetivo será te ajudar na tomada de decisão de qual ferramenta utilizar para o planejamento sucessório e patrimonial da sua família, sem desprezar o fato de que existem outros instrumentos jurídicos que também podem ser utilizados como, por exemplo, a holding, o usufruto, as cláusulas restritivas, o acordo de sócios, o fideicomisso, o trust, as off-shores, fundos de investimentos, o seguro de vida, a previdência privada. A utilização de uma ou de outra ferramenta dependerá da configuração de cada família, ou seja, do estado civil das pessoas, regimes de casamento, quantidade de filhos, volume do patrimônio, relacionamento entre os parentes, e principalmente, qual a vontade e a forma de distribuição desejada pelos Pais para sucessão ou proteção do patrimônio. Em se tratando especificamente da doação, podemos dizer que a sua principal vantagem é resolver as coisas ainda em vida. É um ato de liberalidade feito em vida por alguém (chamado de “doador”) em benefício de uma outra pessoa (chamada de “donatária”), que pode ser útil para uma pessoa organizar o seu patrimônio e a sua sucessão ainda em vida. A doação pode ser de um bem específico ou de um conjunto de bens que compõe parte do patrimônio conforme dispõe o art. 538 do Código Civil. Mas a doação pode também ser feita sobre todo o patrimônio, o que equivale dizer que se trata de uma “partilha em vida”, em que será necessário observar as regras de um inventário como se realmente ele existisse, respeitando as regras sucessórias conforme previsto no art. 2.016 do Código Civil. Por outro lado, quando nos referimos ao Testamento pensamos numa ferramenta que estipula direitos e obrigações para serem satisfeitas após a sua morte. Por isso dizemos que é um ato jurídico de “declaração de última vontade”, já que essas declarações feitas no Testamento terão efeitos após o falecimento da pessoa de acordo com os artigos 1.862 e seguintes do Código Civil. Acontece que a utilidade dessa ferramenta é muito mais ampla do que a doação. Isso porque o testamento pode ser utilizado com o caráter patrimonial quando é utilizado para a destinação de bens pós morte, como por exemplo, destinar um conjunto de bens, um legado ou usufruto para alguém, seja essa pessoa herdeira ou uma pessoa totalmente estranha à família. Mas o testamento também poderá ser utilizado para outras questões não patrimoniais que terão os seus efeitos após a morte do testador, como por exemplo, declarar o reconhecimento de uma paternidade, designar uma pessoa como tutora para o filho menor ou prever a possibilidade de doação de órgãos e tecidos para fins de pesquisa ou criogenização. Isso ilustra algumas das finalidades possíveis, mas sem prejuízo de outras utilidades que o testamento possa vir a ter conforme o interesse do testador de deixar registrada alguma vontade.

3 VANTAGENS DA HOLDING FAMILIAR – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Vou te explicar quais são as 3 (três) principais finalidades das holdings dentro do contexto das famílias empresárias. Você sabe o que é holding familiar? Qual a sua utilidade? Será mesmo que é vantajoso para a família?

Primeiro, vamos esclarecer de forma sucinta o conceito de “holding” para quem ainda não é familiarizado com o tema. Uma “holding” nada mais é do que uma sociedade (isto é, uma pessoa jurídica) que é criada pelos seus sócios com o objetivo específico de administrar patrimônio próprio, explorar bens e direitos com objetivo de gerar receitas, ou ainda, concentrar e controlar participações e investimentos em outras empresas. Essas atividades podem ser exercidas de forma isoladas ou conjugadas entre si. A holding está relacionada com a atividade específica que essa empresa virá a exercer, isto é, se ela virá ou não a ter uma dessas finalidades de administrar, explorar, controlar ou concentrar bens e direitos. A sociedade holding poderá ser constituída em qualquer um dos formatos jurídicos permitidos por lei, sendo que, na prática, os mais comuns são empresas constituídas sob o tipo de sociedade limitada (que poderá ter apenas 1 dono ou 2 ou mais sócios) e o formato de sociedade anônima, do tipo fechada porque não tem as suas ações negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado. Esse então é o conceito resumido do que vem a ser uma “holding” sob o aspecto jurídico. Quando então falamos da “holding familiar”, significa dizer que é uma empresa que tem tudo isso que vimos antes só que voltado para o patrimônio de uma família. Ou seja, uma “holding familiar” é uma empresa que tem por objetivo administrar, explorar ou concentrar e controlar os bens e direitos de uma família. A “holding familiar” será uma empresa, normalmente no formato de sociedade limitada ou anônima, que terá como finalidade essa gestão do patrimônio da família. Mas aí vem a grande pergunta: quais as vantagens da “holding familiar”? O que a “holding familiar” pode trazer de benefício? Bom, neste vídeo eu vou te apontar 3 (três) ganhos que a “holding familiar” pode apresentar em relação a administração a uma eventual administração direta do patrimônio da família feito por uma pessoa física. A primeira vantagem é o “planejamento patrimonial”, que de forma mais vulgar também é chamado de “blindagem patrimonial”. Com a “holding familiar”, é possível elaborar um planejamento patrimonial que vise separar a parte do patrimônio da família que é de uso particular (casa, carro, fazenda, dinheiro e outros) daquele outro patrimônio que está vinculado aos negócios e atividades de outras empresas que são explorados pela família (construtora, transporte, supermercado, mineração, comércio e outros). Isso diminui as chances da família vir a perder o seu patrimônio particular em razão de eventuais dívidas ou passivos dos negócios. A segunda vantagem é a possibilidade de utilização da “holding familiar” como um instrumento de “planejamento sucessório”. É possível utilizar a holding como um veículo para a transferência de bens em vida aos herdeiros dentro da família, seja de parte ou de todo o patrimônio. Isso traz uma segurança na divisão dos bens porque evita disputas e gera uma economia tributária na sucessão. A terceira vantagem é o uso da “holding familiar” como forma de planejamento tributário na exploração dos bens e direitos. É possível se desenvolver um estudo voltado para a economia de impostos, no qual apontará o formato mais vantajoso dentro da lei para se auferir receitas de locação, arrendamento, compra e venda, licenciamento e outras atividades que serão mais benéficas se desenvolvidas pela pessoa jurídica, em vez da pessoa física.

MENOS IMPOSTOS PARA AS CLÍNICAS – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Você é médico ou dentista? Trabalha em alguma clínica ou conhece alguém que possa se interessar sobre o tema? Fique até o final deste vídeo para entender qual o benefício tributário podemos utilizar para as clínicas

Segundo o que determina a Lei n. 9.249/95, os prestadores de serviços em geral que optaram pelo regime de tributação do lucro presumido devem recolher imposto de renda pessoa jurídica e a contribuição social sobre o lucro líquido tomando por base a alíquota de 32% sobre o faturamento. Em geral, a base de cálculo para a incidência desses tributos será de 32% sobre o valor total das receitas advindas dessas atividades. Ocorre que a própria Lei n. 9.249/1995 traz também em seus artigos 15, §1º, inciso III, alínea “a” e no artigo 20 a previsão de uma tributação diferenciada voltada para algumas empresas da área de saúde. As atividades da área da saúde que teriam direito a um regime diferenciado de tributação seriam os “serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas”. Mas o problema sempre foi a interpretação desses artigos da e a delimitação da sua abrangência de forma segura: ou seja, quem teria mesmo o direito de se beneficiar dessa redução dos impostos como forma de incentivo e política tributária para estimular a promoção das suas atividades. De um lado, a Receita Federal do Brasil entendia que era necessário que a empresa apresentasse uma estrutura similar a encontrada em um hospital, com estrutura de assistência médica integral e ambiente de internação de pacientes. De outro lado, os contribuintes que entendiam que essa estrutura não era necessária porque a lei não previa tal exigência e o objetivo da lei era a promoção da prestação de serviços de assistência à saúde. Bom, essa história foi parar no Poder Judiciário e o nosso Superior Tribunal de Justiça analisou e julgou em definitivo essa controvérsia. O STJ no julgamento do Tema repetitivo nº 217/STJ analisou o Recurso Especial nº 1.116.399 e proferiu uma decisão que vale para todos os processos judiciais em andamento e também para todas as empresas do país que estejam nessa mesma situação. Nessa decisão, o STJ pacificou o entendimento de que devem ser considerados serviços hospitalares aqueles que se assemelham às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, ainda que não necessariamente sejam prestados no interior do estabelecimento hospitalar. Esses serviços são todos aqueles de caráter geral de assistência médica ao paciente, excluindo-se apenas as simples consultas médicas já que essas atividades realmente não se identificam com as prestadas no âmbito hospitalar, mas sim nos consultórios médicos. Com isso, foi reconhecido o direito ao pagamento de uma tributação menor para as clínicas e laboratórios médicos que atuam em alguma das mais de 50 (cinquenta) especialidades médicas atualmente reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução nº 2.162/2017), inclusive fisioterapia, e também em favor das clínicas de cirurgiões dentistas regulados pelo Conselho Federal de Odontologia. Essas empresas têm direito à redução da carga tributária por meio do benefício da incidência reduzida dos percentuais de 8% (oito por cento) para recolhimento do IRPJ e de 12% (doze por cento) para o pagamento da CSLL, sendo ambos incidentes sobre a receita bruta auferida pela atividade específica de prestação de serviços médicos ou laboratoriais. Isso representa uma redução de 75% sobre o recolhimento desses impostos federais.

INDENIZAÇÃO PELO TEMPO PERDIDO. SERÁ? – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Hoje, vamos falar de uma decisão importante do STJ proferida na semana passada que afeta a todos indistintamente, pessoas físicas e empresas, porque nela foi reconhecido o direito de indenização pelo tempo dispendido na resolução de vícios e defeitos de produtos ou serviços. É o que chamamos de Teoria do Desvio Produtivo.

O tempo é componente do próprio direito à vida. É no tempo que concretizamos a nossa cada vez mais atarefada existência. No mundo de hoje, é inquestionável que todos nós (eu, você e todas as pessoas que a gente conhece, todos nós) somos marcados por uma rotina agitada de vida e pelos compromissos urgentes. A nossa percepção é de que o tempo passa cada vez mais rápido e a cada dia dispomos de menor tempo. Entretanto, o tempo é componente do próprio direito à vida. É no tempo que concretizamos a nossa cada vez mais atarefada existência. Por isso, o tempo deve ser concebido como uma espécie de direito. Um direito e também uma questão de justiça. O tempo é um tipo de recurso, um bem, um direito, que é escasso e por isso tem o seu valor. O tempo como recurso finito pode ser precificado, como o tempo de trabalho, mas também pode ser é benefício, como o tempo de férias, livre ou com a família. Mas é justamente por ser limitado e valioso, uma das principais frustações cotidianas que sofremos hoje em dia é o que chamamos de “perda de tempo”. Aqui no Brasil, algumas empresas ainda não aprenderam a respeitar o tempo do consumidor, que é uma pessoa e sofre com as longas jornadas a que costuma ser submetido ao se deparar com defeito em um produto ou serviço. Embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) tenha estabelecido mecanismos e prazos para a resolução de falhas dos fornecedores, ainda são corriqueiros os relatos de intermináveis contatos e ligações para resolver um problema causado por uma empresa fornecedora. São situações em que vemos demoras injustificáveis para atendimento de um conserto, troca de produto, devolução do valor pago, atendimento em agências bancárias, e inúmeros outros exemplos em que podemos constatar desrespeito à legislação porque as empresas de forma abusiva submetem o consumidor a perder o seu tempo para resolver problemas originados das falhas das suas atividades. E foi justamente dentro desse contexto que surgiu a Teoria chamada “Teoria do Desvio Produtivo”, em que se constata que o evento danoso se consuma quando o consumidor se sente prejudicado em razão de falha em produto ou serviço porque gasta o seu tempo de vida para resolver um determinado problema. Em vez de utilizar o seu tempo de forma produtiva (como um recurso econômico) ou de forma benéfica (para seu lazer), o consumidor se vê obrigado a desviar das suas atividades cotidianas e dedicar um tempo da sua vida para resolver problemas gerados de forma abusiva. O dano causado é, sem dúvida, a perda do tempo útil da pessoa. Por isso, o STJ nos Recurso Especial nº 1.634.851 e mais recentemente nos Recursos Especial de nº 1.737.412 e outro de nº 1.929.288 vem condenando empresas ao pagamento de danos morais pela perda de tempo e desvio produtivo causado aos consumidores. De agora em diante, é preciso que as empresas fiquem atentas e cumpram o disposto no Código de Defesa do Consumidor para não serem condenadas com base nesse novo entendimento judicial. E, por outro lado, os consumidores que se sentirem lesados por esse tipo de situação abusiva ao qual foram submetidos poderão, a partir de agora, buscar alguma reparação em dinheiro pelo tempo de vida perdido utilizando como fundamentação essa atual teoria jurídica.

PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DE FIADOR – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Hoje, vamos falar sobre bem de família e a possibilidade específica de penhora desse bem se a dívida for de fiança em Contrato de Locação. Você sabia que o bem de família do fiador pode ser penhorado? Que o fiador não tem o benefício da proteção do bem de família?

Como você sabe, o chamado “bem de família” é o bem imóvel utilizado pela família como residência. É o local onde mora um conjunto de pessoas reunidas como entidade familiar, independentemente da quantidade ou gênero. O que interessa são 2 (dois) pontos específicos: primeiro, o caráter residencial do imóvel; segundo, que esse bem seja utilizado como moradia de uma família. Com o preenchimento desses requisitos, a lei concede uma proteção especial a esse bem imóvel que é a sua impenhorabilidade porque entende que a moradia é um direito fundamental para garantir a dignidade da pessoa humana. A Lei federal nº 8.009/90 instituiu o chamado “bem de família legal” ou “bem de família obrigatório” que protege o imóvel destinado à moradia da família. Isso significa dizer que o bem de família não pode ser penhorado por qualquer motivo. Esse imóvel só poderá ser expropriado em situações excepcionais previstas em lei como exceções. E uma dessas situações extraordinárias é justamente a penhora decorrente de dívidas oriundas de fiança em Contrato de Locação. A pessoa que se propõe a ser fiadora de outra em Contrato de Locação pode ter os seus bens penhorados para pagar as dívidas advindas dessa locação, incluindo o seu único bem imóvel ainda que seja destinado a moradia da sua família. Essa situação específica está descrita no art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990 e recentemente o Superior Tribunal de Justiça, o nosso STJ, confirmou a validade desse artigo por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.822.040 ocorrido agora recentemente no dia 08 de junho de 2022. Esse julgamento foi realizado sob a sistemática processual dos recursos repetitivos como Tema de nº 1.091, e seus efeitos são válidos para todos os demais processos judiciais que discutem o mesmo tema em todo o território nacional. Sendo assim, o STJ pacificou o tema e também esclareceu pontos jurídicos importantes sobre as divergências de entendimentos que tínhamos até então nos tribunais. Diante disso, gostaria de te passar 5 (cinco) orientações importantes para que você possa ficar bem informado e esclarecer todas as dúvidas sobre o tema: 1) primeira, a penhora do bem de família de fiador apontado em contrato de locação de imóvel será válida, consoante exceção prevista no inciso VII, do art. 3º da Lei n. 8.009/1990; 2) segunda, a possibilidade de penhora existe em qualquer tipo de contrato de locação, seja residencial ou seja comercial, não existindo qualquer distinção de direitos entre esses duas espécies de contratos; 3) terceira, o fiador tem o pleno exercício de direito de propriedade conforme art. 1.228 do Código Civil, podendo assim decidir o que fazer com os seus bens e seu direito de usar, gozar e dispor; 4) quarta, se uma pessoa resolve afiançar outra por escrito nos termos do  art. 819 do Código Civil num contrato de locação, essa pessoa abre mão da proteção especial do seu bem de família por sua livre e espontânea vontade, agindo com isso no âmbito de sua autonomia privada e exercício do seu poder de autodeterminação; 5) quinta orientação, por tudo isso que foi dito, a penhora do bem de família do fiador é plenamente constitucional e compatível com o direito à moradia consagrado no art. 6° da Constituição Federal, conforme já definido também pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Tese do Tema 1127. Portanto, fique atento nessas orientações se você for fiador em algum contrato de locação! Se tiver a possibilidade, opte por avaliar a utilização de outras modalidades de garantias para a locação, tal como a caução, seguro garantia, carta-fiança profissional ou cessão de cotas de fundo de investimentos.

 

LEGITIMIDADE DOS HERDEIOS NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Hoje, vamos falar sobre uma situação muito comum nas empresas e que gera bastante dúvida entre os herdeiros dentro de uma Sociedade Anônima: o que acontece quando o acionista, que é o titular das ações, falece? Quem tem legitimidade para representar os herdeiros após o falecimento do acionista? Quando os herdeiros passam a ser acionistas da empresa e podem agir em nome próprio?

Antes de falarmos do direito societário, vamos primeiro esclarecer algumas regras do direito sucessório e como funciona a transmissão das ações por sucessão causa mortis aqui no Brasil. Quando ocorre o falecimento de alguém, dizemos que foi aberta a sucessão dos bens do falecido, com a transferência dos bens componentes da herança aos herdeiros legítimos e testamentários, nos termos do art. 1.784 do Código Civil. Ocorre que, para essa transmissão seja efetivada em favor dos herdeiros, é necessário que se faça o procedimento do que chamamos de “inventário e partilha” dos bens do falecido. É necessário primeiro passarmos por esse rito, que poderá ser judicial ou extrajudicial, para definirmos a destinação dos bens deixados pelo falecido. Em resumo, o “inventario e partilha” consistirá nas seguintes etapas: 1) identificação prévia dos bens integrantes do patrimônio; 2) identificação dos herdeiros do patrimônio sucessível; 3) levantamento das dívidas do falecido e pagamento desses débitos; 4) cálculo e pagamento dos tributos incidentes na transmissão causa mortis dos bens; 5) partilha do saldo positivo remanescente desses bens, transferindo assim em definitivo a propriedade dos bens do falecido em favor dos herdeiros legítimos e testamentários. Mas até que tudo isso aconteça e o inventário seja efetivamente concluído, todos os bens do falecido ficarão em condomínio. Os bens do falecido serão considerados como um todo indivisível que chamamos de “espólio”, conforme determina o art. 1.791 do Código Civil. Esse conjunto de bens será administrado pela figura do Inventariante, que terá os poderes investidos por lei de administrar e representar os interesses do “espólio” e de todos os herdeiros coletivamente. E por que estou dizendo isso? Para que fique claro de quem será a legitimidade para agir e defender os interesses na qualidade de acionista dentro da empresa após o falecimento do titular das ações. Teremos 2 (duas) situações bem distintas. A primeira situação, compreendida entre o falecimento do acionista até a partilha dos bens, em que o Inventariante é quem será a pessoa legitimada para agir em nome do espólio e defender os interesses dos herdeiros. Caberá ao Inventariante, como representante da coletividade instituída por meio do condomínio, agir junto à empresa para votar, solicitar informações, receber os dividendos e propor qualquer tipo de ação judicial no intuito de questionar algum ato dos administradores ou defender os direitos dos herdeiros. A legitimidade ativa será do “espólio” representado pelo “Inventariante” para agir nos termos do art. 28 e 31 da Lei nº 6.404/76 (a Lei das Sociedades Anônimas), não podendo o herdeiro pleitear em nome próprio e isoladamente qualquer direito frente à companhia. A segunda situação será após a finalização do inventário e partilha dos bens. Aí sim, nessa situação o herdeiro receberá a titularidade das ações do falecido e passará a ter a condição de acionista, com o registro do seu nome do livro de registro de ações da companhia. A partir da averbação do documento de “Escritura ou Formal de Partilha” no livro de ações da empresa, o herdeiro adquire a condição de acionista e pode agir em nome próprio junto a companhia para exercer direitos e contrair obrigações. Inclusive, esse entendimento foi confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça (o STJ) em julgamento recente por meio do Recurso Especial nº 1.953.211.

BEM DE FAMÍLIA E PENHORA POR DÍVIDA DE CONSTRUÇÃO – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Você já ouviu falar nessa expressão: “bem de família”? Sabe qual é o seu significado jurídico? Que o bem de família é impenhorável, mas admite algumas exceções?

Primeiramente, vamos esclarecer o sentido jurídico da expressão “bem de família” para que você possa ficar mais familiarizado com esse termo. Para a nossa legislação, o chamado “bem de família” é o bem imóvel utilizado pela família como residência. É o local onde mora um conjunto de pessoas reunidas como entidade familiar. Não importa o formato da família, a quantidade de pessoas e muito menos o gênero ou orientação sexual dessas pessoas, até porque atualmente temos vários tipos de composições familiares diferentes e todas elas são amplamente reconhecidas e aceitas como entidades familiares pelo nosso sistema jurídico. O que interessa são 2 (dois) pontos específicos: primeiro, o caráter residencial do imóvel; segundo, que esse bem seja utilizado como moradia de uma família.  Com o preenchimento desses requisitos, a lei concede uma proteção especial a esse bem imóvel que é a sua impenhorabilidade porque entende que a moradia é um direito fundamental para garantir a dignidade da pessoa humana. A impenhorabilidade significa que o bem não poderá ser penhorado por qualquer motivo. Esse imóvel não poderá ser expropriado para pagamento de qualquer tipo de dívida. Existem 2 (duas) espécies de bem de família. A primeira espécie foi criada pela Lei federal nº 8.009/90, que é o chamado “bem de família legal” ou “bem de família obrigatório”. Ela se configura pelo simples fato do imóvel ser a moradia da entidade familiar. Não depende de qualquer tipo de registro já que a proteção da impenhorabilidade é conferida pela própria lei. A segunda modalidade de “bem de família” é o chamado “bem de família voluntário ou convencional”, que está previsto no Código Civil por meio dos arts. 1.711 a 1.722.  Nesse caso, a proteção decorre da iniciativa do proprietário, que escolherá um bem e, por meio de escritura pública, irá designar esse bem como sendo o “bem de família” que gozará da proteção legal da impenhorabilidade. Mas é preciso ficar atento! A lei e o próprio Superior tribunal de Justiça (o STJ) já reconheceu que impenhorabilidade do bem de família não é absoluta. Essa proteção tem 6 (seis) exceções que são claras:1) primeira, crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel; 2) segunda, credor da pensão alimentícia; 3) terceira, cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições; 4) quarta, execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real; 5) quinta, imóvel que foi adquirido com produto de crime; 6) sexta, por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Inclusive, tivemos alguns julgamentos recentes do STJ por meio do Recurso Especial nº 1.221.372 e do Recurso Especial nº 1.976.743 nos quais trataram especificamente da primeira hipótese de exceção que citei que é a oriunda de crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel. O STJ reconheceu nesses julgamentos que o imóvel de família era sim penhorável para pagamento de dívidas advindas da compra do imóvel ou construção da edificação. O conceito de “financiamento” disposto na lei abrange tanto a dívida para a aquisição do próprio bem (casa, apartamento ou terreno por meio de agente de financiamento imobiliário), quanto também a dívida para a construção da edificação do imóvel. Por isso, a construtora que firmou contrato de empreitada global para a edificação do próprio imóvel e não recebeu os seus pagamentos pode sim propor uma ação judicial e pedir a penhora do bem de família para satisfazer o seu crédito. Esse imóvel vai a leilão e o produto arrecadado vai ser utilizado para pagar o crédito da empreiteira. Portanto, fique atento e não dê mole com o seu bem de família!

NÃO É VÁLIDA A CITAÇÃO FORA DA SEDE DA EMPRESA – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Hoje, vamos falar de uma questão processual importante que interessa a todos aqueles que tem uma empresa, independentemente do seu tipo ou ramo de atuação. Iremos tratar dos requisitos para a validade de uma citação judicial de uma empresa. A citação da empresa será válida em qual endereço? Vale a citação na sede da empresa? Vale a citação no endereço constante no site? E se os endereços forem diferentes?

Primeiramente, cabe esclarecer que o ato de citação judicial é aquele que visa dar ciência à empresa sobre a existência de uma ação judicial proposta em seu desfavor. Por meio da citação, a empresa toma conhecimento de que alguém, na qualidade de autor, propôs alguma demanda judicial contra ela que, a partir de então, assumirá a qualidade de réu no processo. Esse ato é de extrema importância porque, a partir dele, possibilita que a empresa tome conhecimento de todo o conteúdo da petição inicial e também dos documentos juntados pelo autor no processo judicial e, a partir daí, possa vir a exercer o seu direito de ampla defesa e contraditório. Por tudo isso, o nosso Código de Processo Civil que é a Lei nº 13.105/2015 prevê alguns formalismos para assegurar que esse ato de comunicação processual seja válido. Basicamente serão 2 (dois) requisitos básicos para que a citação de uma empresa seja correta: 1) primeiro, a entrega do mandado ou da carta de citação seja no endereço da pessoa jurídica; 2) segundo, que o recebimento do mandado seja feito por pessoa com poderes de gerência geral ou de administração ou, ainda, por funcionário responsável pelo recebimento de correspondências. Além disso, cabe mencionar que é dever da empresa manter o endereço da sua sede devidamente atualizado perante a Junta Comercial. O art. 32 da Lei 8.934/1994 define que a empresa tem a obrigação legal de manter atualizado o local da sua sede e deve proceder o registro da alteração do contrato social com o novo endereço sempre que for necessário. Caso a empresa venha a mudar a sua sede e não informe o novo endereço na Junta Comercial, será considerada válida a citação processual no local antigo da sua sede conforme consta no último registro feito na Junta Comercial. Esse será, ainda que desatualizado, o endereço considerado como válido perante terceiros de acordo com a publicidade dada pelos atos societários e teoria da aparência. Por outro lado, o autor da ação terá o dever de informar no processo o endereço correto da empresa ré que pretende citar. O Autor tem o dever de boa-fé processual e a obrigação de comunicar ao Juiz os dados corretos da outra parte, nos termos do art. 312, II do Código de Processo Civil. Se o autor vier a informar um endereço diferente daquele constante na Junta Comercial, essa citação não será considerada válida. Mesmo que seja um endereço diferente constante no site da empresa, o endereço correto para fins de citação será aquele que formalmente registrado na Junta Comercial. Inclusive, o nosso Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio do Recurso Especial nº 1.976.741 já teve a oportunidade de apreciar casos análogos, em que anulou a citação processual de empresa feita em endereço desatualizado e diverso daquele referente à sede social registrada na Junta Comercial, já que a teoria da aparência não se aplica.

SPE IMOBILIÁRIA: É POSSÍVEL A RECUPERAÇÃO? – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Hoje, vamos debater um assunto societário importante sobre as SPEs Imobiliárias que são empresas constituídas com o fim específico de incorporação e construção de determinado empreendimento. Esse assunto é importante porque afeta não só os empresários, como também os próprios consumidores que são os adquirentes dos imóveis na planta. O que é uma “SPE Imobiliária”? Quais as vantagens desse tipo de empresa? As SPEs podem se valer da recuperação de empresas e renegociar as suas obrigações com os clientes no futuro?

Primeiramente, vamos relembrar o conceito de SPE para entendermos melhor as particularidades desse tipo de empresa. Inclusive, se esse tema te interesse vale a pena ver os outros vídeos a respeito de SPE que temos aqui no canal. Como o próprio nome diz, SPE significa uma Sociedade de Propósito Específico. É uma sociedade constituída para realizar uma determinada atividade ou empreendimento empresarial com um prazo determinado. Dizemos que é uma sociedade temporária não necessariamente porque tem um prazo de tempo cronometrado ou fixado para a duração, mas sim porque o seu objeto social é específico e voltado para a realização de uma atividade empresarial. É justamente nesse ponto que a SPE se diferencia das demais: o seu objeto social é determinado e uma vez cumprido o seu objeto ela termina. No ramo da construção civil, é muito comum vermos em atividade as chamadas “SPEs Imobiliárias”, que são empresas constituídas exclusivamente para desenvolver um determinado empreendimento imobiliário. As grandes empresas montam uma SPE para cada empreendimento, criando um CNPJ para cada loteamento, incorporação ou construção de edifícios. Com isso, essas empresas conseguem de certa forma separar as receitas e também as despesas destinadas à construção daquele específico empreendimento, dando assim maior segurança aos adquirentes e garantia para término das obras, com a entregas das unidades imobiliárias que forma prometidas a venda na planta. Nós sabemos que a garantia imobiliária maior é a adoção do regime de patrimônio de afetação por parte da empresa no momento da incorporação. É isso que, do ponto de vista legal, garante a separação do patrimônio do empreendimento dos demais, conforme dispõe os artigos 31-A a 31-F da Lei nº 4.591/1964 (que é a nossa Lei de Incorporações). Mas o fato é que, aqui no Brasil, as SPEs Imobiliárias caíram no gosto das pessoas e são amplamente utilizadas no mercado imobiliário com uma forma, ainda que relativa, de dar maior segurança ao empreendimento que será construído. E é justamente aí que vem a dúvida: as SPEs podem se valer da recuperação de empresas? As SPEs podem renegociar as suas obrigações com os clientes no futuro por meio de um plano de recuperação? Bom, depois de vários anos de discussão e brigas judiciais essa questão chegou finalmente ao STJ, o nosso Superior Tribunal de Justiça que é o tribunal que dá a última palavra nesse tipo de matéria. O STJ pacificou o entendimento, o que dá aos empresários e também aos consumidores uma clareza sobre o assunto na hora de negociar a compra de um imóvel e analisar os riscos. Segundo o STJ, teremos 2 (duas) situações: uma primeira, onde estamos tratando das SPEs Imobiliárias que optaram pelo regime de patrimônio de afetação. Nesse caso, essas SPEs não podem se valer da recuperação porque estão submetidas a regime de incomunicabilidade criado pela Lei de Incorporações, o que torna incompatível a recuperação judicial. Isso porque os créditos oriundos dos contratos de alienação das unidades imobiliárias, assim como as obrigações decorrentes da atividade de construção e entrega dos referidos imóveis não são suscetíveis de novação. Além disso, o patrimônio de afetação não pode ser contaminado pelas outras relações jurídicas estabelecidas pelas demais sociedades do grupo. Uma outra segunda situação é o caso das SPEs Imobiliárias que não administram patrimônio de afetação. Aí sim nesses casos essas empresas podem se valer dos benefícios da recuperação judicial, desde que cumpridas 3 (três) condições: 1) primeiro, utilizem um plano específico para aquela SPE; 2) segundo, não proponham na recuperação um plano único para todo o grupo (também chamado de “consolidação substancial”); 3) terceiro, a incorporadora não tenha sido destituída pelos adquirentes na forma do art. 43, VI, da Lei nº 4.591/1964. Se for possível atender esses 3 (três) requisitos cumulativos, a SPE imobiliária poderá se valer dos benefícios da Lei de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005 e buscar a sua recuperação.