Posso pedir minha parte na herança?

O caso é polêmico e controverso: um pretenso filho, que ainda não teve a sua filiação reconhecida, pretende pedir a sua parte na herança do Pai falecido. Será que essa pessoa que ainda não foi reconhecida poderá pedir a sua parte na herança? Se sim, qual seria o prazo para reivindicar a sua parte na herança? Esse prazo começa a contar do dia do falecimento do Pai e abertura da sucessão? Ou do dia da finalização do processo de reconhecimento de paternidade?

Hoje, vamos esclarecer uma questão jurídica complicada que envolve as disciplinas do direito de família e do direito das sucessões. A controvérsia consiste em definir qual o termo inicial da prescrição para uma pessoa que pretende pedir sua parte sobre a herança: seria a partir do falecimento do Pai e abertura da sucessão? Ou se seria após o trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade que reconhece essa pessoa como filho? Até o ano de 2022, as 2 (duas) turmas de direito privado do Superior Tribunal de Justiça – STJ discordavam a respeito de qual seria o termo inicial do prazo prescricional para ingresso da ação de petição de herança: enquanto a Terceira Turma considerava que o prazo contava da data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade mediante o reconhecimento da pessoa como filho, a Quarta Turma entendia que o prazo começava a partir da abertura da sucessão. Após 2022, tivemos o julgamento do EAREsp n. 1.260.418/MG pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que clareou a intensa divergência então existente entre aquelas Turmas do STJ, vindo a compreender que o prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da data do falecimento do Pai. Agora, neste mês de junho de 2024 essa mesma questão voltou a ser analisada pelo STJ que consolidou o seu entendimento por meio do rito dos recursos repetitivos e julgamento do Tema nº 1.200. Por meio dessa decisão vinculante e válida para todos os Tribunais regionais do país, o STJ estipulou em definitivo que o prazo prescricional para propor a ação de petição de herança pelo pretenso herdeiro começará a correr a partir da abertura da sucessão da herança que ocorre com o falecimento do Pai. E mais, esse prazo de prescrição não será suspenso ou interrompido pelo ajuizamento de ação de reconhecimento de paternidade, independentemente do seu trânsito em julgado. Isso porque, de acordo com o art. 1.784 do Código Civil, que internaliza o princípio da saisine, a herança aqui no Brasil se transmite, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários no momento da abertura da sucessão. Por sua vez, o art. 1.798 do Código Civil preceitua que estão legitimadas a receber a herança as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Sendo assim, o pretenso herdeiro poderá, desde logo e independentemente do reconhecimento oficial da condição filho e herdeiro, adotar as medidas cabíveis para postular os seus direitos hereditários. Para reivindicar a sua parte na herança, o pretenso herdeiro poderá de imediato buscar 3 (três) caminhos logo após o falecimento do Pai: 1) Primeira alternativa: propor ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança; 2) Segunda alternativa: propor concomitantemente, mas em processos distintos, ação de investigação de paternidade e ação de petição de herança, caso em que ambas poderão tramitar simultaneamente, ou se poderá suspender a petição de herança até o julgamento da investigatória; e 3) Terceira alternativa: propor somente a ação de petição de herança, na qual deverão ser discutidas, dentro das causas de pedir, a efetiva paternidade do falecido e a violação do direito hereditário. Portanto, o STJ aplicou o princípio da actio nata previsto no artigo 189 do Código Civil, no qual prevê que o direito de ação do pretenso filho nascerá com a transmissão da herança e a possível lesão ao seu direito de ficar fora da partilha dos bens do seu Pai, podendo, por isso, reivindicar de imediato a sua parte antes mesmo da conclusão sobre a ação de paternidade.