Hoje, gostaria de comentar um julgamento recente do Superior Tribunal de Justiça que tratou do seguinte tema: nas sociedades limitadas, quais são os direitos do sócio retirante ou do sócio excluído na apuração de haveres? Na dissolução parcial de sociedade, os haveres dos ex-sócios englobam quais valores? Será que o ex-sócio tem direito a receber os lucros futuros da empresa? O caso judicial que me refiro aqui neste vídeo foi julgado pelo STJ agora no dia 22 de agosto de 2023, pela Quarta Turma, sob relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, através do Recurso Especial nº 1.904.252/RS.
Vou utilizar esse caso judicial como pano de fundo para prestar alguns esclarecimentos sobre a apuração de haveres e te orientar sobre os direitos do sócio retirante e excluído. Inclusive, essas orientações são válidas também para os casos de sócio falecido, em que se deve apurar os direitos dos herdeiros. A dissolução parcial de uma sociedade empresária ocorre quando um ou mais sócios deixam de ser sócios da empresa por algum motivo, mas outros sócios remanescentes continuam com as suas atividades empresariais normalmente. Nesses casos, é necessário realizar o procedimento de apuração de haveres, levantando-se os valores referentes à participação do sócio que se retira ou que é excluído da sociedade empresária. A apuração de haveres se resume na representação fictícia da dissolução total da sociedade, ocasião em que se realiza um levantamento patrimonial a valor justo de saída capaz de reavaliar o valor de mercado dos bens corpóreos ou incorpóreos que compõem o patrimônio social, considerando o seu ativo e passivo como se houvesse a dissolução total da sociedade limitada naquele momento. Normalmente, durante essa apuração surgem alguns conflitos entre os sócios sobre os critérios que serão adotados para mensurar o valor do patrimônio da empresa, considerando que a adoção de diferentes metodologias para essa apuração implica diretamente na majoração ou redução do valor em questão. A título de exemplo, podemos citar as 3 (três) principais metodologias de avaliação: 1) pelo valor contábil ou book value; 2) pelo valor patrimonial ou balanço especial de determinação; e 3) pelo valor econômico-financeiro ou capacidade de geração futura de fluxo de caixa. Enquanto o sócio retirante tem interesse de elevar, ao máximo, o valor a ser recebido, o interesse dos demais sócios que permanecem na sociedade será exatamente oposto, isto é, de pagar o menor valor possível nessa avaliação. O ordenamento jurídico brasileiro dispõe que o critério a ser observado será aquele previsto no contrato social conforme o art. 1.031 do Código Civil e art. 604, inc. II, do Código de Processo Civil (CPC). Essa também é a posição majoritária do STJ que dispõe que, existindo cláusula contratual que preveja o critério a ser utilizado na apuração de haveres, este deve ser o parâmetro aplicado, em respeito ao princípio da força obrigatória dos contratos. Como exemplo, pode-se mencionar o julgamento do próprio Recurso Especial nº 1.904.252/RS (julgado aos 13.08.23), o AgInt no AREsp 1.192.710/SP (julgado aos 26.9.22), o REsp 1.877.331-SP (julgado aos 13.04.21), e ainda, o AgInt no AREsp 1.174.472/RS (julgado aos 19.12.18). Mas caso o contrato social seja omisso, o art. 606 do CPC determina que o juiz deverá definir, como critério de apuração de haveres, a metodologia do valor patrimonial da sociedade que será apurado em balanço especial de determinação, no qual se levará em consideração na data da resolução da sociedade a avaliação dos bens e direitos do ativo (tangíveis e intangíveis), e os deveres e obrigações do passivo, ambos calculados a preço justo de saída. Com isso, o STJ vem firmando 3 (três) pontos fundamentais na apuração de haveres: 1) a necessidade de que o valor da quota do sócio retirante corresponda o mais próximo possível ao real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu valor patrimonial real; 2) o fato de que a jurisprudência tem se firmado no sentido de não se admitir um mero levantamento contábil para apuração de haveres, devendo-se proceder a um balanço real, mas não necessariamente que projete os lucros futuros da sociedade; e 3) sendo a base de cálculo dos haveres o patrimônio da sociedade, aqueles valores que ainda não haviam integrado o patrimônio da empresa não podem ser repartidos com o sócio retirante. Isso significa dizer que a projeção dos lucros futuros da empresa não deve entrar na apuração de haveres dos sócios. Os lucros futuros da empresa não se mostram devidos porque os referidos valores não compõem o patrimônio da sociedade no momento da retirada do sócio. Em suma, o sócio retirante não pode ser beneficiado com os esforços que serão despendidos pelos sócios remanescentes que permanecem na sociedade e assumem os riscos da continuidade das atividades empresariais. Essa hipótese seria, eventualmente, possível somente nos casos em que estivesse cláusula expressa no Contrato Social previamente acordada entre os sócios. A regra geral que deve ser observada entre as Partes é a de que, na apuração de haveres de uma dissolução parcial de sociedade, o sócio não pode vir a receber valor diverso, e nem maior, do que receberia no caso da dissolução total da sociedade.