Hoje iremos tratar de um outro aspecto importante sobre testamento que se refere aos “herdeiros necessários” listados no art. 1.845 do Código Civil, ou seja, quando o testador possui descendentes, os ascendentes ou cônjuge vivos. Neste caso, os herdeiros necessários têm garantido por lei uma participação mínima de 50% sobre os bens do testador, que é chamada de “parte legítima da herança” conforme dispõe o art. 1.846 do Código Civil.
Por isso, surge uma dúvida no momento da confecção do testamento que é a seguinte: será que o testador poderá inserir no testamento disposições para organizar, gravar e estruturar a sucessão de bens que fazem parte da parte legítima da herança (que são os 50% indisponíveis), ou será que o testador somente poderá regulamentar no testamento questões sobre bens pertencentes à parte disponível do seu patrimônio? Essa é uma dúvida muito recorrente e advém de uma interpretação literal que pode ser dada sobre o artigo 1.857, parágrafo 1º, do Código Civil. A redação desse artigo diz literalmente o seguinte: “Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. § 1. A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.” Ocorre que, o artigo 1.857, parágrafo 1º não deve ser analisado de maneira isolada. Esse artigo deve ser interpretado de forma sistemática e em conjunto com as demais normas que regulam o direito sucessório dentro do Código Civil. A nossa legislação dá total proteção aos herdeiros necessários por meio da reserva da “parte legítima da herança” equivalente a 50% do patrimônio no momento da morte que se dá a abertura da sucessão. Mas por outro lado, a legislação também confere ao autor da herança a necessária liberdade de dispor dos seus bens, dentro dos limites legais. Diante desses dois princípios norteadores nada impede que a parte indisponível do patrimônio destinada aos herdeiros necessários seja referida na escritura pública de testamento pelo autor da herança, desde observe os limites legais. As disposições testamentárias destinadas organizar, gravar e estruturar o patrimônio podem regulamentar todos os bens da herança, contando que evidentemente não implique em redução da parcela que a lei destina aos herdeiros necessários. Em outras palavras, a parte legítima dos herdeiros necessários poderá ser incluída no testamento, especialmente nas hipóteses em que o autor da herança pretenda, em vida e desde logo, organizar, gravar e estruturar a sucessão, devendo destinar a metade indisponível, ou mais, aos herdeiros necessários.