GOVERNANÇA JURÍDICA – FGTS: liberação para tratamento de autismo

Quando falamos de tratamento do autismo, o cenário ideal é que os autistas tenham acesso a uma equipe multidisciplinar, composta por médico psiquiatra ou neurologista, psicóloga, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo. Cada criança possui um nível de suporte, desafios únicos e personalidade própria. As despesas variam caso a caso, mas uma coisa é certa: famílias com filhos autistas gastam três vezes mais do que famílias típicas, conforme pesquisa feita pela USP. Mas, e quando a família não possui condições financeiras de proporcionar todo esse cuidado? O que fazer? Você sabia que é possível a liberação do seu FGTS?

Hoje, vamos falar sobre a possibilidade de liberação do valor depositado na conta do FGTS para pagamento de despesas no tratamento de pessoas diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista – TEA. A controvérsia jurídica consiste em saber se a Justiça deve permitir ou não a liberação do saque do valor do FGTS para o tratamento do autismo, já que essa hipótese não se encontra expressamente no rol de doenças graves previsto no artigo 20 da Lei nº 8.036/90. O FGTS foi criado pela Lei nº 5.107/1966, mas atualmente se encontra regido pela Lei nº 8.036/1990 que regulamenta o conta vinculada do FGTS. Essa norma prevê quais são as hipóteses em que o titular da conta poderá realizar o levantamento do saldo da conta vinculada do trabalhador. O art. 20 da Lei nº 8.036/1990 prevê expressamente 22 (vinte e duas) hipóteses diversas em que são permitidas o saque do saldo do FGTS pelo trabalhador. São situações diversas, dentre as quais podemos citar a demissão sem justa causa, aquisição de moradia própria, o falecimento, a aposentadoria, a extinção do contrato de trabalho temporário, a idade igual ou superior a 70 anos, a ocorrência de desastre naturais, e ainda, a existência de doenças graves ou raras contraídas pelo trabalhador ou por algum dependente da sua família. Dentro da específica hipótese das doenças graves ou raras, a legislação cita a neoplasia maligna (inc. XI), o vírus HIV (inc. XIII) e o estágio terminal de doença grava. Entretanto, a lei não cita o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como uma doença grave, o que faz com que a Caixa Econômica Federal – CEF dentro de uma interpretação restritiva e literal da legislação venha a negar todos os pedidos administrativos ou dificultar essa liberação com o requerimento de perícias médicas que acarretam a demora no trâmite administrativo de análise do saque da conta vinculada. Ocorre que, a Lei 12.764/2012, que dispõe sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê no artigo 1º, parágrafo 2° que o portador do autismo é considerado uma pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. Com isso, a lei do FGTS deve ser conjugada com a lei de proteção ao autismo, devendo o rol de doenças graves do art. 20 sofrer uma interpretação extensiva, a fim de permitir que o autismo seja incluído, por extensão, dentro das hipóteses de levantamento dos valores depositados em conta vinculada do FGTS. Inclusive, atualmente temos decisões favoráveis na Justiça Federal de diversos Estados que asseguram às famílias a liberação do FGTS com base na Lei n.º 13.146/15 que dispõe em seu artigo 8° que é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação de todos os direitos inerentes à concretude dignidade da pessoa humana, concretizando assim os direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal/88, entre eles o direito à vida, à saúde e à dignidade do ser humano.