“DEVER DE FIDELIDADE FINANCEIRA” ENTRE O CASAL

Hoje vamos falar de um tema espinhoso que é pouquíssimo falado dentro das famílias porque envolve relacionamento, dinheiro e dívidas. Talvez você nem saiba que existe, mas vamos tratar do “dever de fidelidade financeira” entre os cônjuges previsto por lei. Você sabe o que significa o dever de fidelidade financeira entre o casal? Quais as consequências da não observância desse dever por um dos cônjuges? Que o dever de fidelidade financeira existe em todos os regimes patrimoniais de relacionamento, inclusive no regime de separação de bens?

Em primeiro lugar, quero lembrar que o Código Civil estabelece quais são os deveres dos cônjuges no casamento, que são aplicáveis também ao relacionamento estabelecido sob o formato de união estável. Esses deveres estão listados no art. 1.566 do Código Civil, no qual dispõe que são deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos. Em se tratando especificamente do dever de fidelidade recíproca do casal, temos que esse conceito vai muito além do contexto sexual e engloba também a “fidelidade financeira”. A fidelidade financeira é o dever que cada cônjuge tem de informar e manter o outro ciente, seja antes ou depois, sobre os valores dispendidos com a realização das compras, empréstimos e dívidas contraídas para pagamento das despesas necessárias à economia doméstica. Nos valores relacionados com a economia doméstica entram todos aqueles gastos relacionados com o exercício do poder familiar pelo casal (isto é, necessários à formação de uma família), tais como as despesas assumidas com a aquisição, manutenção e reforma da casa, a educação dos filhos, comida para todos, e ainda, o lazer das pessoas. Trata-se de um conceito amplo que engloba todas as despesas assumidas por quaisquer dos cônjuges e que são revertidas em proveito da entidade familiar. Esse é o espírito da lei que prevê de forma proposital um conceito elástico para nele caber todas as coisas necessárias à economia doméstica de uma família. O grande problema disso tudo é que cada um dos cônjuges pode, independentemente da autorização do outro, realizar todas as compras, empréstimos e dívidas necessárias à economia doméstica. E essas dívidas obrigam solidariamente ambos os cônjuges que passam a ser responsáveis, em conjunto, por todos esses valores ainda que um deles não tenha tido ciência do gasto realizado ou concordado com dívida que foi contraída perante terceiros. Por força dos arts. 1.643 e 1.644 do Código Civil, a lei torna ambos os cônjuges legalmente responsáveis e solidários por todas as coisas obtidas para a economia doméstica em proveito da entidade familiar contraídas por um dos cônjuges individualmente. Além disso, tal regra vale para todos os regimes patrimoniais de relacionamento do casamento ou união estável, inclusive no regime de separação de bens. Mesmo que se tenha escolhido o regime de separação de bens onde, a princípio, todos os bens e dívidas estão separados entre o casal, a lei criou uma exceção e responsabilizou ambos os cônjuges em conjunto quando se tratar das compras, empréstimos e dívidas contraídas para o pagamento das despesas necessárias à economia doméstica. Os nossos tribunais já deixaram essa interpretação bem clara por meio dos julgamentos proferidos nos Recursos Especiais de nºs 1.444.511/SP e 1.472.316/SP. É por isso que, infelizmente, vemos muitos casais brigando durante ou ao final do relacionamento para dividir as dívidas que foram contraídas por um sem a ciência do outro. Geralmente são despesas com cartões de crédito, escola dos filhos, reformas da residência, viagens, motos, barcos, e outros itens que podem até parecer supérfluos, mas que foram revertidos em prol da família. Por isso, ambos devem agora arcar igualmente com os prejuízos. Para diminuir esses riscos, recomendamos a inserção por escrito de uma “Cláusula de Fidelidade Financeira” no pacto antenupcial com a obrigação de ambos os cônjuges informarem ou pedirem autorização, um ao outro, para a assunção de dívidas dessa natureza acima de determinados valores.