Hoje iremos voltar a tratar dos temas “bem de família” e “doação de bens”. Vou comentar um caso interessante que foi julgado recentemente no mês de novembro de 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reafirmou a seguinte tese: “a alienação do imóvel que sirva de residência para o devedor e sua família não afasta a impenhorabilidade do bem de família, motivo pelo qual não está caracterizada a fraude à execução fiscal”.
Antes de adentrar no caso, importante relembrar que o chamado “bem de família” é o bem imóvel utilizado pela família como residência. É o local onde mora um conjunto de pessoas reunidas como entidade familiar, independentemente da quantidade ou gênero. O que interessa para a lei são 2 (dois) pontos específicos: 1) O primeiro seria o caráter residencial do imóvel; 2) O segundo é que esse bem seja utilizado como moradia de uma família. Com o preenchimento desses dois requisitos, a lei concede uma proteção especial ao bem tornando-o impenhorável porque a moradia é um direito fundamental para garantir a dignidade da pessoa humana. A Lei nº 8.009/90 instituiu o chamado “bem de família legal” ou “bem de família obrigatório” que protege o imóvel destinado à moradia da família. Isso significa dizer esse bem só poderá ser penhorado em situações excepcionais previstas de forma taxativa na lei como exceções. Em relação ao recente caso analisado pelo STJ, o julgamento se deu no Agravo de Instrumento em Recurso Especial nº 2.174.427 que analisou os seguintes fatos: um Pai doou o bem imóvel da família em favor do seu filho mesmo após ter sido citado numa Ação de Execução Fiscal proposta pela Fazenda Federal, na qual cobrava tributos em atraso e pedia a configuração de fraude à execução sobre a doação. Em primeira instância, o juiz afastou a existência de fraude, sob o fundamento de que o imóvel doado era um bem de família e não poderia ser penhorado, mesmo que o devedor tenha transferido o bem ao seu filho após a ciência da cobrança dos impostos. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o imóvel do Pai poderia sim ser penhorado porque existiu fraude na doação do bem a favor do filho. O TJ disse que, apesar da importância da proteção do bem de família contida na Lei n° 8.009/90, a impenhorabilidade do imóvel deveria ser afastada porque não se justifica tal proteção quando o doador procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a doação gratuita de seus bens para seu descendente, com objetivo de fraudar a execução. Em seguida, o caso foi para o STJ que julgou em definitivo o recurso em favor do Pai. O STJ entendeu que não gera prejuízo para o Fisco o afastamento da fraude à execução em relação a imóvel considerado bem de família, uma vez que esse bem é impenhorável por força de lei. Mesmo quando o devedor aliena o imóvel que lhe sirva de residência, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade porque imune aos efeitos da execução. Essa seria a melhor interpretação e inteligência do artigo 3º da Lei 8.009/90. E nos parece que o entendimento do STJ está correto porque, caso a doação feita ao filho fosse anulada, a conseqüência jurídica do caso seria justamente o retorno do bem ao patrimônio do Pai. E com o retorno do bem à esfera de patrimônio do devedor, o imóvel continuaria a ser protegido como um bem de família, não podendo ser penhorado pela fazenda pública para pagamento do débito executado na ação fiscal em razão da inadimplência dos impostos. Por isso, no caso concreto não teve qualquer relevância ou prejuízo para o Fisco a doação feita do Pai ao filho do imóvel protegido pela impenhorabilidade do bem de família.