“Separação” entre cônjuges, especificamente da situação transitória que chamamos de “separação de fato” que significa que o casal se separou (ou seja, na prática não estão mais vivendo juntos em comunhão), mas ainda oficializou essa situação sob o aspecto jurídico por meio da separação judicial ou do divórcio. Eu te pergunto: será que neste caso, o cônjuge que está separado de fato tem direito sucessório sobre o patrimônio do outro? Caso nesse intervalo um dos cônjuges venha a falecer, o cônjuge separado de fato será herdeiro do falecido? Como fica essa situação perante a legislação e jurisprudência?
Para entender esse caso sob o aspecto sucessório, cabe lembrar que desde 2020 o nosso atual Código Civil elevou o cônjuge à condição de herdeiro necessário conforme os arts. 1.829 e 1.845. O marido ou esposa que fica vivo, terá direito sucessório sobre os bens individuais do falecido que são aqueles que não estão sujeitos à meação. O cônjuge sobrevivente concorrerá à herança em conjunto com os filhos vivos ou pais vivos do cônjuge falecido. Se a família tiver mais de 3 filhos, o cônjuge sobrevivente terá direito a, no mínimo, uma porção do patrimônio equivalente a 25% dessa herança. Isso acontece em todos os regimes de casamento, à exceção somente se o casal tiver submetido ao regime de separação obrigatória de bens imposto pelo art. 1.641 do Código Civil. Portanto, sendo o cônjuge sobrevivente em regra um dos herdeiros do falecido, temos que analisar como fica a situação nos casos em que o casal já estiver separado de fato. A nossa legislação tem uma regra específica disposta no art. 1.830 do Código Civil que diz o seguinte: “Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.” Ou seja, a lei diz que se o casal estiver separado de fato há menos de 2 (dois) anos, o cônjuge sobrevivente será herdeiro do falecido. Mas se o casal estiver separado há mais de 2 (dois) anos, o cônjuge sobrevivente não fará jus a sua condição de herdeiro. Ocorre que, os nossos Tribunais vêm entendendo de maneira diferente e dando uma interpretação diversa sobre o art. 1.830 do Código Civil. Recentemente tivemos uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo no Agravo de Instrumento nº 2020437- 62.2022.8.26.0000, em que se entendeu que o direito sucessório cessa no momento da separação de fato do casal porque, cada um, passa a formar patrimônio distinto após a separação. Nesse julgamento, o TJSP afirmou que “Com efeito, embora a literalidade do artigo 1.830 do Código Civil permita ao cônjuge supérstite separado de fato há menos de dois anos participar da sucessão do outro, a própria doutrina e jurisprudência vem reconhecendo que o direito sucessório cessa no momento da separação de fato. Nesta senda, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que uma vez cessada a vida em comum, inexistem interesses recíprocos, deixando de prevalecer a presunção de colaboração, comunhão e afetividade recíprocas entre os cônjuges”. Portanto, daqui em diante é importante ficarmos atentos sobre essa nova interpretação do . Essa discussão possivelmente deverá chegar no Superior Tribunal de Justiça – STJ que irá pacificar o tema. Mas pelo rumo atual da jurisprudência é possível que venhamos a ter uma interpretação restritiva da legislação sobre o direito sucessório do cônjuge separado de fato, com entendimento de que cessa a sua condição de herdeiro com a demonstração da ocorrência da separação de fato entre o casal.