FILHO QUE RECEBEU DOAÇÃO DOS PAIS TEM DIREITO AO RESTANTE DA HERANÇA?

Hoje iremos voltar a tratar do tema “doação de bens”. Vamos esclarecer uma dúvida específica e muito interessante de uma internauta que é a seguinte: um filho que já recebeu uma parte do patrimônio em vida por doação dos Pais tem direito a participar do restante dos bens advindos de herança após o falecimento dos Pais? Esse filho beneficiado pelos Pais em vida tem direito a participar do restante do patrimônio? Essa participação seria menor ou igual à dos demais filhos que não receberam nada em vida?

Essa internauta estava muito indignada porque na família dela um irmão tinha recebido dos seus Pais um imóvel (apartamento) por doação em vida e agora, após o falecimento dos Pais, pleiteava ter uma participação igual aos irmãos sobre os demais da herança, desconsiderando o fato de já ter sido beneficiado em vida. Essa situação é muito comum e nós precisamos entender como funcionam as regras da “doação em vida” dentro da nossa legislação. Conforme dispõe o art. 538 do Código Civil, a “doação de bens é um ato de liberalidade feito por alguém (chamado de “doador”) em benefício de uma outra pessoa (chamada de “donatária”). Caso a doação seja feita entre Pais e filhos, ela será considerada pela legislação como, em regra, um ato que implica em adiantamento de parte da futura herança dos filhos. Os bens doados em vida pelos Pais a favor dos filhos serão normalmente considerados como antecipação de parte da herança. Se os Pais não disserem nada a respeito no ato da doação, a legislação presume que o herdeiro recebeu o bem doado como uma parcela do patrimônio advindo da “parte legítima da herança” reservada aos herdeiros necessários, nos termos do art. 544 do Código Civil. A parte chamada “parte legítima da herança” corresponde ao percentual de 50% do patrimônio dos Pais que deve ser reservado aos herdeiros necessários que são os filhos, ascendentes e o cônjuge de acordo com o art. 1.845 do Código Civil. No exemplo trazido pela internauta, se os Pais não tiverem dito nada no momento da doação do apartamento ao filho, o bem imóvel que já foi recebido em vida pelo irmão será considerado como adiantamento da “parte legítima da herança” e por isso deverá ser descontado da partilha dos bens por meio de um procedimento chamado de “colação”. A “colação” é feita dentro do procedimento de inventário, com o objetivo de igualar os valores dos quinhões de cada herdeiro para que todos recebem exatamente o mesmo valor de herança, sem distinção. Ocorre que, se os Pais tiverem dito no ato da doação que o apartamento doado em vida a favor de apenas um dos filhos advém da “parte disponível da herança”, o bem imóvel recebido pelo filho em vida não será considerado como adiantamento da herança. Os Pais poderão ter deixado isso por escrito no ato da doação e demonstrado que o bem doado é proveniente da parte disponível do seu patrimônio em cumprimento ao disposto no art. 2.005 do Código Civil. Por consequência, nessa hipótese todo o restante do patrimônio dos Pais deverá ser dividido igualmente entre os herdeiros, sem considerar o apartamento já recebido em vida por somente um dos filhos. No procedimento de inventário dos Pais, não será mais necessário realizar o ato de “colação” de bens e nem igualar os valores dos quinhões dos herdeiros calculando-se os valores dos bens e direitos eventualmente recebidos em vida por algum dos filhos. Portanto, isso significa dizer que um filho poderá sim ser beneficiado em vida por doação de alguns bens dos Pais e, ainda assim, ter direito de participar de forma igualitária com os outros irmãos sobre os demais bens do patrimônio que compõem o restante da herança dos Pais.