Hoje vamos abordar o tema “testamento” para que eu possa trazer informações importantes sobre essa ferramenta jurídica de planejamento sucessório e te passar orientações jurídicas sobre a importância de se observar as formalidades legais no momento da prática desse ato jurídico. Para ilustrar esse assunto, quero trazer uma decisão recente proferida agora no dia 08 de agosto de 2023 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio do Recurso especial nº 2.000.938.
No caso em questão, o falecido era um jornalista solitário, que embora reconhecido pelo pai como filho, os irmãos nunca o aceitaram dentro da família. Por isso, na véspera da morte o jornalista deixou um documento no qual intitulou como “testamento” manifestando a sua vontade de que fosse distribuída a sua coleção de discos, itens da biblioteca e roupas usadas a escolas públicas, museu e asilos. Pelo que se apurou, o falecido não queria que nada fosse para os irmãos porque se sentiu rejeitado em vida, e por isso destinou os seus bens, que não eram valiosos, a instituições de ensino e beneficentes. No julgamento do Tribunal, os ministros discutiram os aspectos jurídicos e buscaram respondem às seguintes dúvidas: será que existe a possibilidade de se abrir mão das formalidades impostas pela legislação por razões de ordem subjetiva? A vontade da pessoa é inequívoca, mas isso por si só basta para o testador dispensar as formalidades? A partir de agora, todo papel só com assinatura do testador e sem as formalidades será suficiente para ser tratado como testamento? O julgamento foi acalorado entre os ministros do STJ. Ao final, por maioria apertada de votos (3 a 2), os ministros decidiram por justo anular o testamento deixado pelo jornalista porque não cumpriu as disposições formais dos artigos 1.862 e seguintes do Código Civil. Tais artigos estipulam que existem 3 (três) modalidades de testamento diferentes, cada qual com as suas próprias formalidades. 1) O primeiro tipo, o “testamento público”, que é aquele em que o testador se dirige até um Cartório de Notas e declara a sua vontade perante o tabelião que, com fé pública, certifica a sua livre vontade, juntamente com 2 testemunhas que acompanham confecção e leitura. 2) O segundo tipo, é o “testamento particular” que é feito pela próprio testador por meio de uma declaração manuscrita (de próprio punho) ou no formato mecânico (que pode ser datilografado ou digitado), sendo que em ambos os casos o testamento deve ser ao final assinado pelo declarante, juntamente com 3 (três) testemunhas que atestam a sua leitura. 3) O terceiro tipo é o testamento cerrado”, que leva esse nome porque é feito dentro do formato particular mas depois é levado ao Cartório para que o tabelião possa confirmar a sua livre vontade na presença de 2 (duas) testemunhas. Após essa leitura, o testamento é lacrado e guardado no Cartório até o momento da sua abertura que se dará após falecimento do testador e quando então é revelado o seu conteúdo. Portanto, esses são os 3 (três) tipos de testamento admitidos pela nossa legislação. No debate do STJ sobre o caso que mencionei, prevaleceu a tese de que o “testamento particular” feito pelo jornalista deveria ser anulado porque não tinha as assinaturas em todas as folhas e também não tinha as 3 (três) testemunhas exigidas por lei. Por outro lado, é verdade que, atualmente, a interpretação dos Tribunais tem evoluído no sentido de se flexibilizar as formalidades legais para se buscar a real vontade do testador. Os magistrados têm procurado se orientar de forma mitigada na aplicação do sistema de nulidades, em prol de fazer prevalecer a intenção do testador no fato concreto. Inclusive, o artigo 1.879 do Código Civil prevê que as formalidades legais poderão não ser observadas pelo testador desde que ele justifique essa situação em casos extraordinários. A lei permite que, em circunstâncias excepcionais, o próprio testador declare no testamento particular firmado de próprio punho e assinado pelo testador todos os motivos pelos quais, eventualmente, está impedido de observar as formalidades legais naquele caso concreto. Mas, entretanto, se o testador não fizer uso dessa possibilidade legal e não justificar no documento escrito as circunstâncias extraordinárias pelas quais está passando no momento da confecção do testamento, a tendência do judiciário será a de se aplicar a lei dentro do seu rigor formal. As formalidades legais existem justamente como um sistema de proteção jurídica para dar validade à autonomia da vontade pelo testador. As formalidades buscam auferir se a vontade do testador é verdadeira ou se não teve a real intenção de dispor por última vontade dos seus bens patrimoniais ou manifestar desejos extrapatrimoniais justamente daquela específica maneira que está apresentada no documento. Por isso, é compreensível que as formalidades legais venham a ser mitigadas somente em circunstâncias excepcionais para o bem do próprio testador e de toda a sociedade que almeja segurança jurídica nas suas relações sociais. Sendo assim, fique atento com as formalidades legais e procure um advogado da sua confiança para que possa te auxiliar de maneira profissional na confecção desse documento, a fim de que o mesmo tenha plena validade e eficácia jurídica no futuro.