Você se recorda que nós falamos em outro vídeo sobre a responsabilidade das agências de viagem e companhias aéreas sobre extravio de bagagem. Hoje, trataremos dos programas de milhagem e a possibilidade de sucessão dos pontos após a morte. É possível transferir os pontos de milhagem após o falecimento de um familiar? O que acontece com os pontos acumulados se o titular do programa vem a falecer? Será que eu posso herdar os pontos de milhagem dos meus Pais? Bom, primeiramente cabe fazermos alguns esclarecimentos sobre a natureza jurídica dos programas de milhagem para que então possamos compreender a sua lógica. Esse tipo de programa nada mais é que um contrato de adesão, unilateral e gratuito, no qual uma empresa aérea se compromete a beneficiar o consumidor com prêmios e bônus sem exigir para isso uma contrapartida do consumidor. É um contrato de natureza benéfica porque estipula obrigações para a empresa, sem exigir do consumidor algum pagamento pelo benefício. Em regra, o consumidor ganha os pontos gratuitamente como bônus ou prêmio por sua fidelidade. Em alguns casos, até existe a possibilidade de compra ou aceleração do acúmulo dos pontos, mas ainda assim o contrato não perde a sua característica de gratuidade porque o benefício concedido pela companhia é de maior que o valor pago pelo consumidor. Por tudo isso, cabe destacar que esse tipo de contrato deverá ser interpretado de forma restritiva, ou seja, de maneira literal para dimensionar o alcance dos benefícios propostos ao consumidor, conforme disposto no artigo 114 do Código Civil. E aí, o ponto chave é que está previsto dentro das cláusulas do regulamento desses programas de milhagem que os pontos adquiridos pelo consumidor serão de propriedade exclusiva do seu titular. Isto é, os pontos adquiridos serão acumulados de forma personalíssima, como um benefício pessoal e intransferível. Então, será que esse tipo de estipulação no contrato de milhagem é abusiva? Fere os direitos do consumidor? A resposta é não! Como disse acima, os pontos são bonificações gratuitas concedidas pela empresa instituidora do programa ao consumidor pela sua fidelidade com os serviços prestados por ela ou seus parceiros. Por isso, não é abusivo se proibir que tais pontos sejam transmitidos aos seus herdeiros por ocasião do falecimento do titular por se tratar de um prêmio pessoal. Até porque em muitos casos os herdeiros nem são clientes dessa empresa e muito menos praticaram fidelidade aos seus produtos e serviços. Inclusive, de forma recente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.878.651 manifestou esse mesmo entendimento. O STJ considerou válida a cláusula do regulamento do programa de fidelidade de uma companhia aérea que previa o cancelamento dos pontos acumulados pelo cliente após o seu falecimento. O processo era uma ação civil pública ajuizada por uma associação de consumidores contra a empresa Latam. O juízo de primeira instância declarou a cláusula nula e determinou que os herdeiros poderiam utilizar as milhas em cinco anos. Houve recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que apenas alterou o prazo de utilização dos herdeiros para dois anos. A companhia aérea recorreu e ganhou o recurso proposto ao STJ sob o argumento de que a anulação da cláusula geraria o desvirtuamento do programa de fidelidade, uma vez que passaria a beneficiar não apenas os clientes fiéis, mas também terceiros tal como os próprios herdeiros do titular, fato que resultaria no desequilíbrio do aspecto econômico-financeiro do programa. Além disso, a empresa sustentou que as normas de proteção do Código de Defesa do Consumidor (CDC) só se aplicariam aos contratos de adesão gratuitos quando fosse comprovado algum prejuízo ao consumidor, o que não era o caso já que o titular não foi prejudicado. Portanto, temos que ficar atentos a esse ponto! Se você não quiser correr o risco de perder a sua milhagem, faça um planejamento para utilizar as suas milhas ou vende-las ainda em vida, já que esse é um bem que não se transmite aos herdeiros como herança.