PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO: ENTEADO TEM DIREITO A HERANÇA? – GOVERNANÇA JURÍDICA POR MATHEUS BONACCORSI

Planejamento sucessório e o direito do enteado sobre a herança do padrasto ou madrasta. Essa questão é intrigante e você deve estar se perguntando: será que o meu enteado tem direito a minha herança, igual aos meus filhos? Será que, com o tempo, ele adquire algum direito sobre o meu patrimônio? E se eu quiser voluntariamente incluí-lo como herdeiro dos meus bens, o que devo fazer?

Bom, antes de mais nada importante relembrarmos a ordem de vocação hereditária disposta no artigo 1.829 do Código Civil que trata da ordem legal de sucessão dos bens da herança em caso de falecimento. Esse artigo estipula a lista de pessoas que serão chamadas para receber a herança de alguém, conforme o seu grau de parentesco e o regime de casamento ou união estável que a pessoa falecida tinha durante a vida. Essa será a ordem de herdeiros estipulada por lei caso a pessoa falecida não tiver feito o seu planejamento sucessório em vida ou deixado testamento. A ordem é a seguinte: em primeiro lugar, a herança vai para os descendentes, que são os filhos ou netos, em conjunto com o cônjuge ou companheiro sobrevivente. Essa concorrência entre descendentes e o cônjuge sobrevivente acontece, salvo se o falecido tinha o relacionamento submetida ao regime da comunhão universal de bens, ou ao regime da separação obrigatória de bens, ou ainda, se estava no regime da comunhão parcial e não tiver deixado bens particulares. Se nao tiver descendentes, em segundo lugar a herança vai para os Pais, em conjunto com o cônjuge ou companheiro sobrevivente, independentemente do regime patrimonial de bens. Se não tiver ascentendes, em terceiro lugar a herança vai toda para somente o cônjuge ou companheiro sobrevivente, independentemente do regime patrimonial de bens. E se não tiver cônjuge ou companheiro sobrevivente, em último lugar a herança vai para os irmãos do falecido. Sendo assim, e diante da ordem legal estabelecida pelo nosso Código Civil para recebimento da herança,  conseguimos perceber que o enteado não está dentro da ordem de sucessão legal. Ele está legalmente excluído da ordem de recebimento da herança, já que o seu vínculo com o Padastro ou Madrasta é o equivalmente ao de um “parente por afinidade”, tal como chamamos no direito. O artigo 1.595 do Código Civil classifica o entendado como um “parente por afinidade” porque se encontra vinculado ao Padrasto ou Madrasta em razão do vínculo da afetivo estabelecido pelos seus Pais. Esse vínculo afetivo é indireto por meio dos seus Pais, mas não diretamente entre o enteado e o próprio Padrasto ou Madrasta. Por isso, é importante esclarecer que do ponto de vista legal, por mais apego e amor que você tenha dedicado ao seu enteado, isso não fará dele um herdeiro com os mesmos direitos de um filho. Por mais afeto que posa existir nessa relação, o enteado não terá direito à sua herança tal como acontece com um filho que é considerado um “herdeiro necessário” nos termos do art. 1.845 e se encontra na primeira ordem de recebimento da herança conforme vimos anteriormente. Caso seja seu interesse contemplar o seu enteado com algum direito, é preciso desenvolver um planejamento sucessório em vida para atingir esse objetivo. Em casos dessa natureza, sugiro 2 (duas) alternativas como solução. A primeira opção será a utilização do testamento como instrumento jurídico de planejamento sucessório, com a possibilidade de se destinar até metade da herança em favor do enteado diante do art. 1.846 do Código Civil. A segunda alternativa será a utilização do instituto jurídico da “multiparentalidade”. O Padrasto ou Madrasta poderá vir a reconhecer o enteado como um “filho socioafetivo”, que passará a ter os mesmos direitos de um filho biológico, inclusive para o recebimento de herança. Atualmente, existe segurança jurídica suficiente para afirmar que a paternidade ou maternidade “socioafetiva” tem direitos iguais aos da “biológica”, sem qualquer distinção ou hierarquia. Essa questão já se encontra pacificada em nossos tribunais, especialmente no Superior Tribunal de Justiça por meio do Recurso Especial nº 450.566 que afirmou com todas as letras que, uma vez reconhecida a filiação socioafetiva, o enteado será considerado “herdeiro necessário” e terá os mesmos direitos na sucessão tal como um filho biológico.