DOAÇÃO INOFICIOSA É NULA SEMPRE

Muitas famílias utilizam a doação em vida para fazer o planejamento patrimonial e sucessório dos bens. Os Pais se valem da doação para transferir aos filhos e terceiros bens em vida conforme os seus interesses. Mas você sabia que o Código Civil impõe limites para essa transferência? Que a doação tem regras próprias? E que a concordância dos herdeiros não afasta nulidade de doação que comprometeu a parte legítima da herança?

A “doação em vida” poderá servir de ferramenta jurídica do planejamento sucessório, no qual se busca transferir de forma planejada o patrimônio da família ainda em vida em favor dos herdeiros ou de terceiros conforme interesse dos Pais. Conforme dispõe o art. 538 do Código Civil, a “doação de bens” é um ato de liberalidade feito por alguém (chamado de “doador”) em benefício de uma outra pessoa (chamada de “donatária”). Caso o doador tenha “herdeiros necessários” vivos (que são os filhos, Pais e cônjuge), ele deverá reservar a metade dos seus bens em favor desses herdeiros, formando assim uma parcela do patrimônio que chamamos de “parte legítima da herança”. A “parte legítima da herança” é uma parcela que deverá corresponder a, no mínimo, o valor equivalente a 50% (cinquenta por cento) do patrimônio total do doador, nos termos dos arts. 1.845 e 1.846 do Código Civil. O doador deverá tomar muito cuidado para não desrespeitar as regras legais no momento de realizar o ato de doação em vida para que não seja considerado nulo pela Justiça. Inclusive, recentemente tivemos no mês de março de 2025 um caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ por meio do Recurso Especial (REsp) nº 2.107.070, no qual reconheceu a nulidade absoluta da doação inoficiosa feita por meio de escritura pública de partilha em vida, ainda que os herdeiros tenham concordado na época com a divisão desigual dos bens e dado quitação mútua e plena, com renúncia a eventuais ações futuras. Isso porque o artigo 2.018 do Código Civil dispõe que a partilha, por ato entre vivos, somente será válida se respeitar a legítima dos herdeiros necessários. Por isso, o STJ deixou claro no julgamento que a doção inoficiosa é aquela que fere a parte legítima reservada aos herdeiros necessários. É a doação que extrapola os limites da parte disponível da herança, atingindo a parcela da legítima reservada obrigatoriamente aos herdeiros necessários. Como consequência, a doação inoficiosa deve ser considerada nula de pleno direito naquilo que extrapolar a parte disponível da herança. A doação que afronta a parte legítima não poderá ser validada nem mesmo pelo consentimento dos próprios herdeiros, devendo assim ser reconhecida a nulidade da parte da doação que exceder a o patrimônio disponível do doador e vier a afrontar a parte indisponível reservada aos herdeiros.

DIVÓRCIO UNILATERAL E IMPOSITIVO

De acordo com os dados do IBGE, no último ano tivemos mais de 400.000 divórcios decretados aqui no Brasil. É um número assustador que demonstro grande volume de processos que temos sobre essa matéria no país, já que boa parte desses divórcios são litigiosos e vão parar na Justiça. Agora no dia 18 de março de 2025 tivemos uma decisão importante no STJ irá tornar esse tipo de processo mais célere, prático e menos conflituoso entre as partes.

A decisão proferida pelo STJ reforçou a aplicação das mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional nº 66/2010, que alterou a redação do § 6º do artigo 226 da Constituição Federal. Essa alteração retirou a exigência de separação judicial prévia e estabeleceu que a dissolução do casamento pode ser concedida com o pedido unilateral de divórcio, independentemente da concordância do outro cônjuge. O direito ao divórcio decorre unicamente da manifestação de vontade de uma das partes, sendo suficiente a apresentação de certidão de casamento atualizada e a manifestação de vontade para que se comprove o interesse de desfazer o vínculo conjugal. Com esse novo entendimento judicial, o divórcio fundamentado em norma constitucional passou a ser caracterizado como um direito potestativo incondicionado que, para sua decretação, não se exige mais a apresentação de qualquer prova ou condição. Por não ser exigível no processo a apresentação de qualquer prova ou condição, o divórcio poderá ser decretado de forma impositiva e unilateral a pedido de quaisquer dos cônjuges, sendo dispensável a formação do contraditório dentro da ação judicial. Em suma, o STJ nesse julgamento ressaltou 3 (três) princípios jurídicos: 1) A proteção à liberdade individual, garantindo que ninguém seja obrigado a permanecer casado contra sua vontade, e sem mais se sujeitar a situações burocráticas à pretensão de divórcio; 2) Assegurou o princípio da autonomia da vontade, com imediatidade; 3) Declarou a impossibilidade de oposição, porquanto o outro cônjuge não pode se opor ao pedido de divórcio. Inclusive, o Juiz a partir de agora poderá decretar o divórcio já no início do processo judicial com base no art. 356 do Código de Processo Civil, que permite que o mérito da causa seja antecipado e julgado de forma imediata quando a matéria se mostrar incontroversa. Por último, o julgamento ressaltou que, após decretado o divórcio unilateral, as demais questões de família relacionadas à guarda de filhos, pensão alimentícia e partilha de bens deverão ser tratadas separadamente. O processo deverá prosseguir com o contraditório e ampla defesa assegurado aos ex-cônjuges como forma de garantir o cumprimento dos direitos de ambas as partes e resguardar os interesses das crianças envolvidas. O que você achou desse entendimento do STJ?

Procuração em Causa Própria: ferramenta de planejamento sucessório?

A “Procuração em Causa Própria” é um tipo de procuração muito utilizado mercado imobiliário. Por meio dela, o vendedor do imóvel dá ao comprador o poder de representa-lo na lavratura da escritura definitiva de compra e venda para transferir o bem de forma definitiva e sem a necessidade da sua presença ou prestação de contas. Mas você já ouviu falar em utilizar a “Procuração em Causa Própria” como ferramenta de planejamento patrimonial? Ela realmente servirá para organizar a sucessão da família? Será que essa Procuração gera alguma vantagem ou redução de custos?

Isso porque tenho visto várias pessoas divulgando na internet de maneira errônea que a “Procuração em Causa Própria” seria uma ferramenta jurídica eficaz para transmitir bens e direitos em favor de herdeiros e geraria uma redução nos custos no planejamento. Essas pessoas que se dizem especialistas têm dito que o uso da “Procuração em Causa Própria” possibilita 2 vantagens em prol da família: 1) Com esse tipo de Procuração, é possível transferir os bens aos herdeiros, sem a necessidade de se demonstrar uma causa negocial e um título translativo que fundamenta a transferência do patrimônio entre as partes; 2) O uso da Procuração gera a possibilidade de não se pagar o ITCMD e nem o ITBI sobre os bens e direitos transmitidos, fato que ocasionaria uma redução significativa das despesas do planejamento. Ocorre que, isso é totalmente equivocado do ponto de vista jurídico porque a procuração em causa própria não implica em cessão de direito, compra e venda de bem, ou ainda, o ato liberal de uma doação. A “Procuração em Causa Própria” (também chamada de (in rem suam ou in rem propriam) é negócio jurídico unilateral fundamentado nos arts. 653 e 685 do Código Civil, segundo o qual o outorgante confere ao outorgado poder de dispor sobre determinado bem (real ou pessoal) ou direito, em nome do outorgante, de maneira irrevogável e sem a necessidade de prestar contas. Do ponto de vista técnico, essa Procuração é uma espécie de mandato diferenciada pelo fato de ser irrevogável, não se extinguir com a morte das partes, dispensar prestação de contas e permitir que o mandatário transfira para seu nome bens móveis ou imóveis descritos no instrumento de procuração. Mas justamente pelo fato de ser irrevogável, é preciso que os Pais tenham muito cuidado ao utilizar esse instrumento jurídico, já que não caberá arrependimento e nem cancelamento do ato. A procuração possui eficácia imediata e o filho que a recebe poderá transferir de forma instantânea o patrimônio descrito no documento em seu favor, sem a necessidade de aguardar o óbito do pai ou da mãe e sem instituir em favor dos Pais os benefícios da reserva do direito real de usufruto. Além disso, será necessário lavrar uma escritura pública com a fundamentação da causa negocial da transferência do patrimônio. Deve se providenciar uma escritura pública de doação, compra e venda, dação em pagamento, confissão de dívida ou outra que dê causa à transferência do bem ou direito transmitido aos herdeiros, uma vez que a procuração não possui eficácia translativa conforme já reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, inclusive recentemente no julgamento do Recurso Especial nº 1.962.366/DF. Por isso, será necessário pagar o ITBI ou ITCMD sobre a operação descrita na escritura, juntamente com dos emolumentos dos cartórios de notas e registros. E por último, ainda será imprescindível declarar perante a Receita Federal nas respectivas declarações pessoais de imposto de renda como ocorreu o ingresso e a saída dos bens e direitos das esferas de patrimônio dos Pais e Filhos, sob pena de incorrer em fraude ou simulação.

Deserdação e exclusão dos herdeiros por testamento

Recentemente tivemos aqui no Brasil um caso interessante do apresentador de televisão do Jornal Nacional Cid Moreira que utilizou a deserdação para excluir os seus filhos da participação da sua herança. O Cid Moreira utilizou um instrumento jurídico previsto no Código Civil para fazer valer a sua vontade sobre a destinação do seu patrimônio após a sua morte, excluindo a herança as pessoas que haviam praticado atos de indignidade em vida contra a sua pessoa.

Trata-se da possibilidade de exclusão dos herdeiros necessários por testamento sobre os direitos da herança, com base nas hipóteses permitidas pelo Código Civil. Aqui no Brasil, chamamos de “deserdação” ou “exclusão de herdeiros” sobre os direitos da herança, com base no art. 1.961 do Código Civil. É instituto jurídico que pode ser utilizado com uma ferramenta de planejamento sucessório, já que permite que se cumpra a vontade do falecido sobre a destinação futura dos bens e direitos que compõem a sua herança. Os herdeiros necessários são os Pais, filhos e cônjuge, conforme disposto no art. 1.845 do Código Civil. Uma pessoa poderá deserdar os seus herdeiros necessários por testamento, desde que fundamente por escrito os motivos dessa exclusão dentro das hipóteses previstas nos arts. 1.814 e 1.962 do Código Civil. As 5 (cinco) justificativas que lei permite a exclusão dos herdeiros necessários são: 1) ofensa física; 2) injúria grave; 3) relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; 4) desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade; 5) práticas de atos de indignidade contra o falecido. Na maior parte dos casos, a exclusão se fundamenta na situação de “indignidade” dos herdeiros necessários. A indignidade é um conceito amplo que abrange condutas de herdeiros que comprometem os laços familiares de forma grave e irreparável, como crimes contra o testador ou situações de deslealdade extrema. Trata-se de uma pena civil que priva o herdeiro ou legatário de receber a herança a que teria direito por ter cometido atos considerados graves contra o autor da herança ou seus familiares. A nossa lei civil estipula 3 (três) situações de indignidade: 1) Participação em crime de homicídio doloso, ou tentativa, contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; 2) Acusação caluniosamente em juízo o autor da herança ou prática de crime contra sua honra ou de seu cônjuge ou companheiro; 3) Uso de violência ou fraude para impedir ou dificultar que o autor da herança disponha livremente de seus bens por testamento ou outro ato que expresse sua vontade. Importante dizer que a exclusão da sucessão não ocorre de forma automática em razão de uma disposição testamentária. Ela deve ser reconhecida e declarada por sentença judicial, conforme determina o artigo 1815 do Código Civil. A deserdação, quando feita de forma correta, poderá evitar que bens e direitos sejam destinados a pessoas que não merecem participar da sucessão. O testamento bem estruturado é uma ferramenta potente e robusta para assegurar que a vontade do titular seja respeitada, minimizando disputas familiares futuras.

Holding: como calcular o ITCMD sobre as cotas ou ações

A holding patrimonial é um instrumento jurídico muito utilizado para o planejamento patrimonial e sucessório da família. Ela é bastante eficaz quando a família deseja concentrar o seu patrimônio e deter a administração dos bens dentro de uma empresa que reúna os herdeiros como sócios. Entretanto, quando um dos sócios falece surge uma controvérsia jurídica: como calcular o ITCMD sobre as cotas ou ações transmitidas? O ITCMD deve incidir sobre o valor patrimonial da participação social ou sobre o valor atualizado dos bens da holding?

Vamos comentar uma decisão recente proferida no dia 19 de fevereiro de 2025 pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ que tem enorme impacto nas estratégias de planejamento patrimonial e sucessório envolvendo holdings e participações societárias (cotas e ações). O STJ julgou o Recurso Especial (REsp) nº 2.139.412/MT, no qual estabeleceu que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) deve ser calculado com base no valor de mercado dos imóveis integralizados no capital social de uma empresa, e não no valor patrimonial das participações sociais das empresas sem negociação em bolsa. O caso teve início com o falecimento de um dos sócios de uma holding patrimonial constituída no formato de sociedade limitada localizada no estado do Mato Grosso, cujas as cotas foram transmitidas aos herdeiros por causa mortis. De um lado, os herdeiros argumentavam que o valor patrimonial das quotas deveria ser adotado para determinar a base de cálculo do ITCMD, enquanto do outro o Fisco Estadual defendia que a base de cálculo deveria ser o valor de mercado dos imóveis conferidos ao capital da empresa. Inicialmente, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) decidiu em favor dos herdeiros, estabelecendo que a base de cálculo deveria ser apenas o valor patrimonial das cotas sociais, ou seja, o ITCMD deveria incidir sobre valor do patrimônio líquido da empresa na data do fato gerador. Mas o Estado do Mato Grosso interpôs Recurso Especial ao STJ alegando que essa interpretação contrariava o art. 38 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece que a base de cálculo do ITCMD deverá incidir sobre o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. No STJ, a 2ª Turma decidiu que a base de cálculo do ITCMD deve corresponder ao valor venal dos bens transmitidos, assim entendido como sendo o seu valor de mercado do patrimônio da holding, e não o valor das cotas sociais. Na decisão, o STJ destacou que se o imposto fosse calculado apenas com base no patrimônio líquido da sociedade isso poderia resultar em subavaliação do patrimônio transmitido e, por consequência, na redução indevida da carga tributária fato que contraria a finalidade da tributação sobre heranças e doações. Para o STJ, o Fisco tem autorização legal para fazer o cálculo com base no valor de mercado conforme permitido pelo artigo 148 do CTN. O dispositivo diz que, quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, o Poder Público poderá arbitrar aquele valor ou preço mediante processo regular sempre que sejam omissas ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados pelo contribuinte. Pelo que se vê, a 2ª Turma do STJ vem consolidando o entendimento nesse sentido porque já existem outros 2 (dois) casos precedentes semelhantes (AgInt no RMS 70.528 e o  REsp 2.150.788/SP). Nas decisões anteriores, o STJ também estabeleceu que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal dos bens e direitos transmitidos, assim compreendido como aquele que corresponde ao valor de mercado, permitindo ao fisco que proceda ao arbitramento da base de cálculo quando o valor declarado pelo contribuinte seja incompatível com os preços usualmente praticados no mercado. Portanto, fique atento porque essa decisão tem implicações profundas para o planejamento patrimonial e sucessório no Brasil, exigindo uma reavaliação das estratégias utilizadas por famílias e empresas para a transmissão de bens e direitos.

A (in)segurança da distribuição desproporcional de lucros

Atualmente, é muito comum as empresas familiares se valerem da distribuição desproporcional de lucros como uma forma de planejamento patrimonial. Numa empresa composta somente entre Pais e Filhos, é normal os sócios em algum momento decidirem que os lucros de determinado período serão repartidos de maneira diferente daquela prevista no Contrato Social. O ponto é: tome cuidado! O Fisco está de olho e pronto para cobrar ITCMD sobre essa operação se tiver alguma brecha.

Hoje, vamos abordar novamente do tema “distribuição de lucros desproporcional” em razão de uma decisão recente do TJSP publicada no dia 28 de janeiro de 2025 proferida no processo nº 1089011-58.2023.8.26.0053, na qual validou a cobrança de ITCMD sobre a distribuição de lucros desproporcional feita por uma empresa limitada composta por Pais e filhos. Antes de adentrar na decisão, importante esclarecer que a distribuição de lucros aos sócios é isenta do pagamento de imposto de renda, nos termos do artigo 10 da Lei 9.249/95. Por isso, a questão aqui tratada não se refere à cobrança de Imposto de Renda pelo Governo Federal, mas sim do imposto de competência Estadual chamado de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (que é conhecido pela forma abreviada de ITCMD) e incide sobre os atos de doação de bens e direitos, conforme art. 155, I da Constituição Federal. O fato gerador do ITCMD é o ato de liberalidade e transmissão gratuita da propriedade de bens e direitos por ato entre pessoas vivas. A alíquota do imposto varia de acordo com cada Estado do nosso país, podendo oscilar entre o mínimo de 4% até o máximo de 8% conforme a legislação estadual. No caso em questão, os Pais detinham 98% das cotas, enquanto os 2 filhos eram titulares de 2% do capital social. A empresa realizou a distribuição de lucros de maneira desproporcional ao capital social, atribuindo 90% do valor aos dois filhos (45% para cada um) e 5% para cada um dos genitores. O Fisco do Estado de São Paulo autuou a empresa por entender que existiu uma doação disfarçada pelos pais aos filhos na forma de distribuição desproporcional dos lucros da empresa. Em seguida, a empresa propôs o Mandado de Segurança contra a cobrança, alegando que a distribuição desproporcional dos lucros era legítima porque estava prevista em contrato social e permitida pelo art. 1.007 do Código Civil. Por sua vez, o Fisco defendeu a autuação, sustentado que a distribuição desproporcional deveria ser considerada doação sujeita ao pagamento de ITCMD porque não havia sido constada uma razão negocial clara e nem um motivo empresarial justificável para essa distribuição. Na visão do Estado, a distribuição de lucros ocorrida entre a família parecia ser uma transferência patrimonial por liberalidade, com ânimo de doar patrimônio porque não havia benefício empresarial e nem necessidade envolvida naquela operação societária. Em seguida, o caso foi a julgamento e o TJSP deu razão ao Fisco com base no art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN), por entender que o ato societário configurava sim uma doação por ser visível um “animus donandi” que é a intenção de beneficiar alguém sem receber nada em troca. O Tribunal concluiu que aquela distribuição desproporcional não tinha propósito negocial e nem correspondia a um benefício proporcional ao trabalho ou investimento dos sócios. Portanto, é preciso ficar atento e buscar a assessoria jurídica de um especialista ao planejar esse tipo de operação societária dentro da sua empresa e família. Tome todos os cuidados necessários para que posteriormente não venha a ser autuado pelo Fisco e cobrado com multa de 100% punitiva mais juros e correção igual aconteceu com essa família do estado de São Paulo.

PENHORA DE SALÁRIO: SERÁ QUE PODE?

Penhora de salário! Os salários, pensões, aposentadorias são remunerações mensais que recebemos para o pagamento das nossas despesas pessoais. São valores destinados à nossa manutenção e subsistência que garantem uma dignidade mínima para a existência do ser humano. Mas, e se eu te disser que essa sua remuneração mensal poderá ser penhorada? Que o seu salário, pensão ou aposentadora poderá vir a ser bloqueado pela Justiça para pagar débitos de pensão alimentícia e também as dívidas civis?

O art. 833 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2021) diz que em seu inciso IV que são impenhoráveis os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. Dentro do próprio art. 833 temos 2 (duas) situações excepcionais nas quais a penhora é permitida sobre os salários e os demais tipos de remunerações listados no dispositivo legal: 1º) se a penhora for feita para pagamento de prestação alimentícia; 2º) se a penhora recair sobre valores que exceder o ganho mensal de 50 (cinquenta) salários mínimos. Na primeira situação de penhora de salário para pagamento de pensão alimentícia, os nossos Tribunais não divergem e todos são unânimes ao permitir a penhora sobre a remuneração do devedor para pagamento de pensão alimentícia, uma vez que a pessoa que cobra a dívida depende desse valor para comer e sobreviver. Mas, na segunda hipótese em que a penhora é permitida sobre os valores excedentes aos ganhos superiores a 50 (cinquenta) salários-mínimos (que atualmente perfaz a quantia de R$75.900,00), os nossos Tribunais têm divergido diante da realidade econômica do nosso país em que apenas 0,6% dos brasileiros ganham renda acima desse patamar legal. Por isso, alguns juízes vêm interpretando esse dispositivo legal de forma mais flexível, vindo a permitir a penhora sobre salários que tenham valores menores que 50 (cinquenta) salários-mínimos. Os critérios utilizados para justificar a permissão da constrição são diferentes, sendo o mais comum a avaliação feita pelo juiz sobre o caso concreto em julga se a penhora requerida comprometeria ou não a subsistência do próprio devedor ou impediria que o seu mínimo existencial (ou seja, que o devedor tivesse condições mínimas para comer e sobreviver). Dentro desse raciocínio, os Tribunais têm permitido que seja feita a penhora do percentual de até 30% do valor dos salários, reservando ao devedor a quantia de 70% para a sua subsistência. Atualmente, esses têm sido os parâmetros quantitativos sobre os quais os Tribunais têm se balizado como regra geral para uam melhor interpretação das exceções listadas no art. 833 do CPC, salvo quando o devedor consegue comprovar que a penhora, mesmo dentro do patamar de até 30%, irá comprometer o seu mínimo existencial. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça – STJ se manifestou recentemente sobre a flexibilização da impenhorabilidade dos salários por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.874.222, no qual se permitiu a constrição no caso concreto sobre a remuneração do devedor para pagamento de dívida civil.

AUTOCURATELA: UMA RESPOSTA AO ENVELHECIMENTO

O tempo é implacável e todos nós vamos envelhecer. É um mistério divino porque não sabemos nem como e nem quando iremos perder a nossa capacidade de gerir os próprios atos da vida civil. Para estes casos, já não serve mais qualquer tipo de Procuração outorgada anteriormente e o caminho será a propositura de uma ação judicial de interdição e curatela. Será que o seu destino estará nas mãos dos seus familiares?

Hoje, vamos tratar da “Autocuratela”, que é uma ferramenta jurídica ainda pouco utilizada aqui no Brasil devido à ausência de legislação específica e pouco conhecimento das pessoas sobre as normas do direito sucessório. A “Autocuratela” é um instrumento jurídico que permite a uma pessoa ainda capaz planejar antecipadamente sua própria curatela, caso venha a se tornar incapaz no futuro. É uma ferramenta jurídica que oferece uma proteção patrimonial futura quando a pessoa por qualquer motivo se torna incapaz, seja doença, acidente ou simples e natural envelhecimento. Esse mecanismo que permite que a vontade individual, os desejos e as preferências já manifestados de forma escrita e antecipada venham a ser respeitados pela família, mesmo diante da nova situação de incapacidade. Aqui no Brasil não temos uma legislação específica para tratar desse instituto jurídico. A “Autocuratela” é uma construção jurídica a partir da interpretação e aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada, em conjunto com o art. 1.767 do Código Civil e art. 84 do estatuto da Pessoa com Deficiência. De forma prática, a Autocuratela permite que uma pessoa ainda capaz elabore um documento escrito por meio do qual estabeleça de forma antecipada diretrizes sobre o tratamento da sua curatela nos casos de incapacidade futura, no intuito de que essas diretrizes sejam observadas pelo juiz e os familiares na ação judicial próprio de interdição e curatela. Essas diretrizes podem ser sobre 2 (duas) situações gerais: 1º) Quem será o curador? Desejo ter um ou mais curadores? A pessoa já deixa uma definição sobre a nomeação futura de determinada pessoa para que seja o seu curador em razão da sua relação de confiança, fugindo assim da ordem prioritária de nomeação que está disposta no art. 1.775 do Código Civil, em que estabelece primeiro o cônjuge ou companheiro, depois os ascendentes (pais) e, por fim, o descendente mais apto; 2º) Como os seus bens devem ser administrados? A pessoa também já deixa instruções sobre a administração do seu patrimônio, especialmente de como os assunto patrimoniais, financeiros e empresariais deverão ser conduzidos pelo curador nomeado daqui em diante, buscando assim o mesmo cuidado e diligência que o patrimônio seria tratado pelo seu proprietário. Para a sua formalização, orientamos que a “Autocuratela” deva ser formalizada por meio de escritura pública, lavrada em Cartório de Notas. Apesar de não ser essencial para a sua validade, é importante que se tenha registrado de maneira inequívoca e com fé-pública as diretrizes para a administração futura dos bens e a nomeação de um ou mais curadores. Inclusive, sempre que possível é recomendável que a escritura de autocuratela tenha a intervenção do cônjuge ou companheiro, os Pais (se vivos) e os filhos do declarante, a fim de evitar questionamentos futuros sobre a violação do art. 1.775 do Código Civil.

STJ valida testamento envolvendo R$1 bilhão para sobrinhos

 último, o STJ ressaltou que se deve buscar preservar a eficácia do testamento, a estabilidade das relações jurídicas, a segurança dos bens deixados, e ainda, o respeito à autonomia da vontade do testador. Portanto, é necessário ficar atento ao cumprimento de todas as formalidades legais previstas nos artigos 1.862 e seguintes do Código Civil para que o seu testamento não seja anulado no futuro, diante das discussões futuras que todo testamento está sujeito dentro da família.

PENHORA E LEILÃO DE PARTE DO IMÓVEL

É comum um imóvel pertencer a mais de uma pessoa. Pode ser um bem que seja de propriedade do casal, de irmãos ou de pessoas que não tenham qualquer relação de parentesco. O problema é que, se esse bem for indivisível, a dívida de um dos coproprietários pode vir a prejudicar todos os demais com a perda do imóvel em leilão judicial. A penhora de parte do bem poderá afetar não só a cota parte do devedor, mas também a propriedade de todos os demais que estão à sua volta. É preciso saber o que fazer quando a constrição judicial recair sobre a parte de um imóvel que pertença a várias pessoas e quais são as alternativas do leilão judicial.

Hoje, vamos esclarecer uma dúvida recorrente sobre a penhora de bem imóvel e indivisível quando somente um dos proprietários é o devedor da dívida. É muito comum nos depararmos com um imóvel que pertence a duas ou mais pessoas e somente um deles é devedor de algum valor cuja a cobrança poderá gerar uma penhora e vir a recair sobre o imóvel. Por exemplo, um casal que é proprietário de um imóvel e somente o marido ou a esposa é devedor. Ou então um imóvel que pertence à família, onde somente um dos irmãos tem uma dívida. Nestes casos, é normal termos 2 (duas) controvérsias jurídicas que chegam até os tribunais para serem julgadas: 1) Será que a penhora poderá recair sobre todo o bem imóvel ou somente uma fração ideal? 2) Será que o imóvel poderá ser levado à leilão público para satisfazer o valor devido apenas por um dos proprietários? A princípio, importante esclarecer que a dívida pertence somente a um dos proprietários do bem imóvel e indivisível. Por isso, a penhora para satisfação do débito somente poderá recair sobre a cota parte que seja de propriedade do próprio devedor que foi reconhecido como inadimplente dentro do processo judicial. A lei não permite que seja feita a penhora sobre a integralidade do bem imóvel, inclusive sobre as frações que pertencem aos demais coproprietários alheios ao processo de cobrança judicial. A penhora sobre os quinhões dos demais proprietários não deve ser permitida porque essas pessoas não fazem parte do processo de execução judicial e nem são consideradas como responsáveis pela dívida diante da legislação. Sendo assim, o ato de penhora e constrição dos seus bens viola o art. 5º, LIV (54) da Constituição da República/88 por restringir o direito de propriedade sobre os seus bens, sem o devido processo legal. O correto será o Juiz determinar a bloqueio somente sobre a cota parte de titularidade do devedor representada por uma fração ideal do bem imóvel e indivisível. No que se refere à realização do leilão para a satisfação da dívida, devemos recorrer à regra disposta no art. 843 do Código de Processo Civil – CPC/15. Quando a penhora recair sobre parte de um bem indivisível, esse bem poderá sim ser levado à alienação judicial desde seja assegurado na alienação judicial 2 (duas) regras: 1) A primeira, seja concedido o direito de preferência aos coproprietários na arrematação do bem, em igualdade de condições com terceiros; 2) A segunda, caso os coproprietários não venham a exercer o direito de preferência no leilão, o valor arrecadado com a venda integral do bem deverá ser repartido, sendo a parte do devedor destinada à satisfação do crédito em favor do exequente e a parte pertencente aos demais coproprietários depositada em juízo à disposição de tais pessoas. Inclusive, para ilustrar essa situação vale citar um julgado recente do Tribunal Superior do Trabalho – TST proferido no Recurso de Revista nº 1000608-91.2020.5.02.0262, no qual determinou que o imóvel pertencente a um casal não poderia ser integralmente penhorado por dívida devida por um dos cônjuges, cabendo a penhora somente da fração ideal do bem de propriedade do devedor.